O Comando-Geral da Brigada Militar indiciou oito PMs por invadir uma residência em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, e ameaçar um homem de 59 anos a confessar o assassinato de Gabriel Marques Cavalheiro, ocorrido em agosto deste ano.
A reportagem teve acesso aos nomes dos policiais militares. Foram indiciados o 1º tenente Luiz Antônio Ribeiro Alves, o segundo sargento Carlos Nataniel Castro Racki, e os soldados Luciano Alonso Scherer, Elisangela da Silveira Morales de Oliveira, Rodolfo Tonetto de Oliveira, Antônio Rafael Coelho Lopes, Pedro Vicente Armanini Rosa e Édipo dos Santos Henrique.
O advogado Matheus Quartieri, responsável pela defesa do segundo sargento Racki e dos soldados Morales e Henrique, afirma que “os policiais militares que participaram dessa ocorrência são absolutamente inocentes” e que “sempre agiram sob os ditames da legalidade e isso será amplamente demonstrado ao longo dos procedimentos administrativos e judiciais instaurados”.
O g1 não conseguiu contato com a defesa dos outros policiais até a última atualização desta reportagem. A RBS TV procurou a Corregedoria da Brigada Militar, que confirmou o indiciamento, mas se negou a detalhar as informações.
O inquérito policial militar foi aberto em setembro deste ano para apurar o caso. A investigação chegou ao fim em novembro. Na quarta-feira (28), o comandante-geral da BM, Claudio Feoli, decidiu pelos indiciamentos. O documento tem 16 páginas e conta com depoimentos dos policiais do caso e do homem preso que, depois, denunciou ter sido torturado.
O comandante-geral da BM, concordando com o entendimento da Corregedoria, afirma que a forma como os policiais conduziram o interrogatório não encontra respaldo legal e que os policiais violaram direitos fundamentais previstos na Constituição. Os oito PMs foram indiciados por dois artigos da lei de abuso de autoridade, que citam o constrangimento ao preso mediante ameaça e a invasão da casa sem determinação judicial.
A Brigada Militar decidiu pela abertura de conselho de justificação contra o tenente e conselho de disciplina contra o sargento e os outros seis soldados. O procedimento pode resultar na exclusão dos policiais.
Conclusão do inquérito
A investigação concluiu que não havia provas de tortura ou de agressões, mas aponta ilegalidades na conduta dos policiais, que ficaram duas horas e meia dentro da casa interrogando o suspeito. Feoli analisou vídeos da abordagem, feitos pelos próprios policiais, e que foram incluídos na investigação. Essas imagens foram entregues, segundo ele, fracionadas e, portanto, não mostram toda a ação.
Em um dos pontos, o coronel afirma que um dos policiais abordou o homem dizendo para ele responder as perguntas sobre a morte de Gabriel “conforme o acordo que eles tinham”.
Em outro trecho, um policial teria dito que sabia que o homem era capaz de ter matado Gabriel. Um dos PMs ainda diz que seus colegas presos têm filhos pequenos que vão morrer de fome. Além disso, segundo o inquérito, seguem em defesa dos três presos do caso de São Gabriel, fazendo perguntas direcionadas a autoincriminação do interrogado.
O homem, em um dos vídeos juntados à investigação, pede para levar um tiro para parar o interrogatório. (veja trecho transcrito abaixo)
O que disseram os PMs no Inquérito Policial
O 1º tenente Luiz Eduardo Ribeiro Alves disse que somente tomou conhecimento da ocorrência às 20h do dia 3 de setembro, e que “em nenhum momento o Sr Elton Gabi foi agredido”. Acrescentou que “verificou pessoalmente as condições de saúde do Sr Elton antes do encaminhamento para a UPA pela guarnição e nada foi constatado”.
A soldado Elisângela da Silveira Morales de Oliveira, disse que “aparentemente o Sr Paulo Menezes [vizinho de pátio de Elton Gabi e presente no local quando os policiais militares chegaram] estava em condições normais quando se manifestou”, e que Paulo não teve contato com Elton Gabi. Afirmou ainda que não conhecia os três policiais militares presos no caso de São Gabriel.
O soldado Rodolfo Tonetto de Oliveira disse que acompanhou toda a ocorrência. Afirmou ainda que já ouvira falar de Elton Gabi “em razão dos crimes praticados em Santa Maria”, e que, em sua opinião, Elton acusou as guarnições de agressão por ter sido “orientado no presídio”.
O soldado Édipo dos Santos Henrique afirmou que não conhecia nem Elton Gabi e nem Paulo Menezes. Disse ainda que chegou depois do início da abordagem e que Elton acusou a guarnição “por arrependimento pelas declarações ou para receber algum benefício na audiência de custódia”. Negou conhecer os PMs presos em São Gabriel e informou que diversos integrantes do batalhão são clientes da representante legal de alguns dos policiais presos.
O soldado Luciano Alonso Scherer disse que conhecia Elton Gabi de outras ocorrências. Informou que não encontrou armas de fogo na residência de Elton, e que “em momento algum o Sr Elton Gabi foi ameaçado ou agredido”. Acrescentou que “provavelmente o Sr Elton acusou as guarnições de violência na abordagem por que se arrependeu de ter falado sobre o caso de São Gabriel e situações envolvendo traficantes de drogas na região”.
O 2º sargento Carlos Nataniel Casro Racki afirmou que os policiais “permaneceram por aproximadamente duas horas e meia com o Sr Elton conversando e tentando entender sobre o caso de São Gabriel, tendo em vista que ele afirmava a todo o momento que estaria envolvido naquela situação e que os policiais militares presos não tinham nada a ver com o homicídio do menino”. Sobre o tempo de permanência na casa, Racki afirmou ser normal “em virtude da complexidade do fato, da gravidade das declarações, da confirmação ou contradições e ainda aguardando as orientações do escalão superior”. Reiterou que em nenhum momento houve agressões.
O soldado Antônio Rafael Coelho Lopes disse que Elton Gabi não estava embriagado, apesar de aparentar ter ingerido bebida alcoólica. Também disse não conhecer os PMs presos em São Gabriel, e informou que Elton não teve em nenhum momento contato com Paulo Menezes durante a ocorrência. Além disso, afirmou que as acusações de agressão feitas por Elton seriam “talvez por ter se arrependido das declarações realizadas e para obter algum benefício na audiência de custódia”.
O soldado Pedro Vicente Armanini Rosa afirmou não conhecer os policiais militares presos no caso de São Gabriel. Informou saber que “diversos integrantes do batalhão são clientes da Drª Vânia que representa dois dos policiais militares presos”.
Prisão
Elton foi preso em 3 de setembro após confessar ter matado Gabriel. De acordo com a ocorrência policial feita no dia anterior à prisão, a BM procurou o homem após receber uma informação do setor de inteligência de que ele teria comentado com outra pessoa ser responsável pelo crime.
Ainda segundo o registro, os policiais militares prenderam Elton em frente a sua casa, no bairro Noal, em Santa Maria. A polícia não informou por qual crime ele estava foragido.
Elton então afirmou ter sido contratado para matar Gabriel por R$ 15 mil. Disse aos policiais que recebeu um aviso de que o jovem estaria na localidade de Lava Pé, em São Gabriel. Contou que foi ao local, matou Gabriel usando o cabo de um machado e usou seu carro para deixar o corpo no açude, onde o jovem foi encontrado.
No dia seguinte à prisão, em depoimento à polícia, Elton negou ter cometido o crime e disse que foi coagido por PMs.
Entenda o caso
Gabriel Marques Cavalheiro era um jovem de 18 anos que se mudou de Guaíba, onde morava com os pais, para São Gabriel, onde iria prestar o serviço militar obrigatório. O jovem estava hospedado na casa de um tio, mas a irmã também mora na cidade.
Ele desapareceu no dia 12 de agosto, após ser abordado por três policiais militares na Avenida Sete de Setembro. Uma vizinha da casa em que ele estava hospedado chamou a polícia porque, segundo ela, o jovem estaria forçando o portão que dá para o pátio em frente ao imóvel.
Os policiais teriam agredido Gabriel, que foi imobilizado e levado para dentro de uma viatura militar. Testemunhas disseram que ele foi atingido por “pelo menos dois ou três golpes de cassete”. Essa foi a última vez que Gabriel teria sido visto com vida.
O corpo de Gabriel foi localizado uma semana depois do desaparecimento. Ele estava submerso em um açude na localidade.
Fonte: G1 RS.