O advogado Jean de Menezes Severo é um dos 24 denunciados pelo Ministério Público em uma investigação de organização criminosa e lavagem de dinheiro relacionada a uma facção. O advogado, que ficou conhecido por atuação em júris de repercussão, como no do menino Bernardo, em Três Passos, e no da boate Kiss, é apontado como membro de segundo escalão de uma organização com base no Vale do Sinos. Ele se diz perseguido pela Polícia Civil e Ministério Público por sua atuação nestes casos.
— Eu fui acusado disso por rasgar livro de promotor e por dizer que o delegado de polícia em júri era mentiroso, covarde. Tudo que está descrito na denúncia é uma grande mentira e facilmente será demonstrado pela defesa — sustentou Severo.
A denúncia foi enviada no dia 22 de agosto e aceita na íntegra pela 2ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro, que transformou os denunciados em réus. A peça, com 108 páginas, tem como base inquérito da Delegacia de Polícia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro. O nome do advogado surgiu ainda na investigação da Polícia Civil, que cumpriu mandado de busca e apreensão na casa dele em 2019.
Conforme denúncia, o advogado “ultrapassou os limites da defesa dos interesses dos clientes e das responsabilidades da advocacia para a adesão à prática de crimes”. Ele seria, conforme o documento, homem de confiança de Antônio Marco Braga Campos, o Chapolin, líder do grupo criminoso e isolado na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Como no sistema federal não há acesso a celulares e as visitas são restritas, Jean era um dos poucos autorizados a ter contato com Chapolin, que passou a adotar também o apelido de Menino. O advogado alega que esteve menos de cinco vezes no local e sempre o via no parlatório — como prevê a regra do regime federal.
— No Presídio Federal não tem como passar mensagem. Qualquer acadêmico de Direito já sabe. Toda a conversa que tu tens com interno é gravada todo tempo. Então assim: se ele (agente) entende que tu tá passando um código, a conversa, o parlatório é suspenso In limine (imediatamente), então isso não existe como — alega o advogado.
Os dados que deram origem à investigação foram extraídos do celular de um dos denunciados, que seria o braço direito de Chapolin e que recebeu as ordens de como proceder quando ele fosse transferido. São quase 90 gigabytes de dados, conversas, áudios e mensagens. Em uma delas, Chapolin diz ao seu braço direito que Jean Severo seria alguém que estaria no comando, conforme consta na denúncia do MP.
O Ministério Público encaminhou a investigação também para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que afirmou que, assim que for intimada, vai abrir procedimento no Tribunal de Ética e Disciplina.
Lavagem de dinheiro
Conforme a denúncia, o grupo usava contas de laranjas para passagem de dinheiro, geralmente com depósitos fracionados, em dinheiro vivo e com valores inferiores a R$ 10 mil. Isso porque depósitos de quantias superiores são informados pelas instituições financeiras para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência financeira do governo federal que atua principalmente na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro.
Receptação
Pelo crime de receptação, foram denunciados três dos 24: Chapolin, seu sucessor na organização e Jean Severo. Conforme a denúncia, os dois primeiros teriam adquirido um veículo roubado, com placas clonadas. O carro é avaliado em cerca de R$ 144 mil.
Jean teria usado o carro, sendo inclusive flagrado em câmeras de um pedágio, no banco do carona do veículo. Em cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa dele, a Polícia Civil encontrou a chave de um carro da mesma marca, que foi enviada para Alemanha para análise da montadora. Essa análise apontou que a chave era de outro carro, diferente daquele que Severo foi flagrado dentro.
— Nunca, essa chave não tem nada a ver com processos, é uma invencionice da polícia e cretinice da polícia. Não tem nada a ver, não existe, eu nunca andei nesse carro aí da Mercedes. A única vez que eu andei um carro desse tipo foi para me levarem da rodoviária ao Fórum. Eu nunca tive esse carro — diz Jean.
O delegado Márcio Niederauer, que comandou as investigações, ressalta, em nota, que “a conclusão do inquérito policial baseia-se em provas técnicas, pautadas em diversos elementos colhidos ao longo da investigação”. E acrescenta: “Não por acaso, os indiciados foram denunciados pelo Ministério Público, em denúncia assinada por três Promotores de Justiça, e a denúncia foi recebida pelo Poder Judiciário”.
Organização do grupo
Na denúncia, é descrita como ocorre a organização do grupo criminoso e explicado o envolvimento de cada um dos denunciados. Além de membros da facção que já estão presos, há ainda presença de empresários e de outras pessoas apontadas como laranjas, uma delas uma bacharel em Direito.
Os membros seriam divididos em quatro escalões:
- O primeiro escalão seria ocupado apenas por Chapolin.
- No segundo escalão estariam membros de apoio direto, confiança e gestão financeira. Neste grupo, além de Jean Severo, estariam dois homens responsáveis pela logística de drogas e armas, duas mulheres com quem Chapolin se relacionou e a companheira de outro homem desse núcleo.
- O terceiro escalão seria composto por líderes comércio irregular de cigarros, jogo de bicho e jogos de azar.
- O quarto escalão seria formado por membros apontados pelo MP como “mão de obra da organização”: responsáveis pela venda de drogas, executores de transações financeiras e responsáveis por contas laranjas.