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Ruptura com Brasil é ruim para a economia argentina, dizem analistas

Os eleitores argentinos vão às urnas, nesse domingo (22/10), para escolher o futuro chefe da Casa Rosada. Entre os cinco candidatos, um, em especial, chama a atenção: o economista e deputado Javier Milei. Radical, ele adota discurso a favor de cortar laços com o Brasil, um dos quatros principais parceiros comerciais dos “hermanos”.

Analistas ouvidos pelo Metrópoles acreditam que tanto Brasil quanto a Argentina perdem com esse possível distanciamento proposto por Milei. Eles consideram esse plano “inviável” com difíceis condições de implementação na economia do país vizinho.

Porém, não é consenso se as falas do candidato de extrema direita, são, na verdade, apenas um discurso populista para emplacar durante as eleições ou um aviso para o governo brasileiro sobre o fim de uma histórica relação econômica entre os dois países.

Caso esse afastamento entre os países aconteça, os analistas listaram os possíveis passos de Milei: sair do Mercosul, buscar uma redução unilateral das tarifas de importação e tentar firmar acordos comerciais bilaterais com países como os Estados Unidos (EUA).

Retórica eleitoral ou aviso prévio?

Essa promessa de distanciamento deixou o governo brasileiro em alerta. Em entrevista à Reuters, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou estar “preocupado” com uma vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas.

“É natural que eu esteja [preocupado]. Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um… Porque em geral nas relações internacionais você não ideologiza a relação”, declarou Haddad.

O professor de história da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Sarti acredita que “é pouco provável que a proposta de ruptura com o Brasil faça parte apenas da estratégia eleitoral de Milei, uma vez que seu principal alvo nas eleições são os setores progressistas da sociedade argentina e que são identificados politicamente com o governo brasileiro”.

Ainda segundo ele, uma vitória do autointitulado “anarcocapitalista” Javier Milei é um fato que irá tensionar as relações entre Brasil e Argentina, que, “ao longo da história, passaram por altos e baixos”.

Devido à proximidade territorial e forte ligação econômica, o professor diz que não há como ambos os países “escaparem” dos laços. Para Sarti, isso ocorre mesmo que os agentes políticos optem por evidenciar mais as divergências do que as convergências.

Para Fábio Pereira de Andrade, economista e professor de relações internacionais da ESPM, as investidas do candidato em romper laços com o governo brasileiro ou são uma retórica para a campanha eleitoral, ou um aviso prévio que, se for implementado, trará “consequências drásticas” para a economia argentina.

“É inviável e praticamente impossível pensar na economia argentina sem uma forte conexão com o Brasil. Em uma vitória do Javier Milei, seja ela no primeiro ou no segundo turno, ele tem um grande desafio: substituir em curto tempo os parceiros comerciais”, analisa o economista.

Por outro lado, o professor do Instituto de Relações Internacionais, da USP, Pedro Dallari acredita que essa “retórica disruptiva” pode ter um efeito a curto prazo, caso Milei seja eleito. Segundo ele, essa “ruptura” vai se materializar na “interrupção de políticas de cooperação e na fragilização ainda maior do Mercosul”.

“O Brasil e Argentina têm contiguidade geográficas e economias entrelaçadas, o que impede a efetividade de um afastamento duradouro, como defende o candidato Milei”, explica. “Mas, como Argentina e Brasil não podem ter economias estáveis se não estiverem alinhados, esse quadro de ruptura necessariamente será revertido”, prossegue Dallari.

Na opinião de Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII), a sociedade precisa se “acostumar” com líderes relativamente populistas, que, conforme ele, “vão prometer coisas muito escalafobéticas, mas não tem condições de entregá-las”.

De acordo com ele, taxar os dois principais parceiros comerciais do país (Brasil e China) como “comunistas” e engrossar o discurso para cortar laços comerciais com ambos por conta de diferenças de ideologia política não é tão “prático” como Milei defende.

O pesquisador da FGV ressalta que, para governar, um presidente precisa contar com apoio de parlamentares. Então, caso o político de extrema direita saia vitorioso nas eleições presidenciais da Argentina, é necessário observar o escopo de deputados. “Com um Congresso mais tradicional, certamente, ele terá uma limitação para aplicar as propostas”, analisa Paz.

As consequências econômicas para Argentina e Brasil

Uma saída da Argentina do Mercosul traria implicações jurídicas e institucionais mais profundas, podendo afetar de modo negativo o fluxo de capitais e mercadoria entre os países, conforme o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) Alexandre Flávio Silva Andrada.

“Milei fala em se afastar do Brasil e da China, o problema é que esses dois países foram responsáveis por quase um quarto de todas as exportações do país em 2022. Em um país com uma necessidade tão grande e urgente de acumular dólares, abrir mão desses parceiros seria uma loucura”, afirma. É claro que o comércio não depende apenas da vontade do presidente de um ou outro país, ele é feito em grande medida por particulares, mas um bom ambiente político e regulatório é fundamental para que essas trocas ocorram”, completa Andrada.

Porém, mesmo com a crise econômica argentina, o professor reforça que “não será o Brasil que salvará a Argentina dos seus problemas estruturais”, contudo, ele destaca que sem manter boas relações econômicas com o Brasil, o país dificilmente pode se recuperar, ao menos, nos próximos quatro ou cinco anos.

“Se a coisa caminhar por esse lado, é certo que várias potenciais linhas de crédito ficarão congeladas, vários planos de investimento e ajuda serão postergados, até que se tenha uma ideia mais clara do que virá a acontecer”, avalia.

Assim como Andrada, o pesquisador Leonardo Paz entende que o mais factível seja que esse cenário de desalinhamento ideológico entre os chefes do Executivo implicariam em grandes negociações ficarem presas “um pouco na geladeira”.

Além disso, ele ressalta que a indústria brasileira ainda é muito dependente do Mercosul. Desta forma, a Argentina torna-se uma parte importante desse mercado. “O Brasil perde bastante com isso, mas a Argentina perde mais, na minha opinião”, afirma Paz.

Sem o Brasil e China, a quem a Argentina de Milei recorreria?

Alguns possíveis parceiros, de acordo com relatos e estimativas dos analistas, são:

  • Austrália;
  • Estados Unidos;
  • União Europeia;
  • Países de governo de direita;

Contudo, a tentativa de se aproximar dos EUA e UE não tende a ser fácil. Andrada lembra que esses dois atores “não têm sido muito solidários com governos de uma direita muito radical, populista, demagoga ou autoritária”.

Logo, ele pontua que “para ser abraçado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, Milei teria que mudar muito seu discurso e seus atos, comparativamente ao que vimos até agora”.

Eleições da Argentina

O primeiro turno das eleições presidenciais da Argentina está marcado para esse domingo (22/10). Pesquisa de opinião do Atlas Intel indica que o candidato peronista e ministro da Fazenda, Sergio Massa, é favorito para comandar a Casa Rosada com 30,9% das intenções de voto. Logo atrás, o deputado da ultradireita Javier Milei tem 26,5%, e a conservadora Patricia Bullrich fica na casa dos 24,4%.

Fonte: Metrópoles 

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