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RS tem 13,4% das mulheres casadas fora do mercado de trabalho em função de atividades domésticas

Apesar de uma tendência de redução, a desigualdade entre homens e mulheres, no que diz respeito à participação no mercado de trabalho, ainda é grande no Rio Grande do Sul. Em 2023, 19,7% das mulheres em relações conjugais estavam fora da força de trabalho. Entre os homens, apenas 2,6% não trabalhavam, segundo uma pesquisa realizada pelo PUCRS Data Social: Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho.

 

Ao considerar apenas as mulheres afastadas do trabalho por motivos domésticos – como cuidar de filhos, dependentes ou afazeres –, estas totalizavam 13,4% das gaúchas casadas. Os homens, por sua vez, representavam apenas 0,3%. 

— Os dados mostram que essa ideia dos cuidados ainda é predominantemente sobre as mulheres — aponta Izete Bagolin, professora, pesquisadora do PUCRS Data Social e uma das autoras da pesquisa Levantamento Sobre Gênero, Trabalho e Parentalidade no Rio Grande do Sul.

O recorte utilizado inclui casais, em relações heterossexuais, com idade entre 25 e 50 anos, no quarto trimestre de cada ano estudado. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em sua versão trimestral.

Apesar desse cenário, o RS é o Estado onde há menor proporção de mulheres casadas fora do mundo de trabalho por motivos domésticos (13,4%). Para a pesquisadora, chama atenção a manutenção da diferença em termos de responsabilidade das mulheres:

— Elas saem mais do que os homens do mercado de trabalho, deixam em função do cuidado dos filhos. Isso vem reduzindo. Cada vez, um percentual menor de mulheres precisa deixar a força de trabalho, e esse percentual é menor nos Estados um pouco mais desenvolvidos. Vem caindo, lentamente, mas a diferença ainda é bastante significativa.

Presença de filhos

A proporção de mulheres fora do mundo do trabalho aumenta com a presença de filhos – em especial, mais novos. Prova disso é que entre mulheres com três filhos ou mais, as mais afetadas pela falta de oportunidades, 31,1% estão fora do mercado por motivos domésticos

Outro número que a pesquisa mostra é que quanto mais novo é o filho, mais difícil é para a mulher. Uma em cada cinco que tem filhos de até seis anos não trabalha por motivos domésticos. Para homens, ter mais filhos ou crianças mais jovens não interfere na participação no mercado.   

Cor da pele influencia

A cor da pele é um fator determinante quanto à participação na força de trabalho. Entre as mulheres brancas, 12,8% estão fora por motivos domésticos. Já entre as negras, a proporção é de 16,8%. Os pesquisadores observaram que a proporção de negras fora do mercado por esse motivo é sempre superior àquela entre brancas, independentemente do número de filhos. 

— A hipótese mais forte é de que o fato das mulheres negras, em geral, enfrentarem uma situação de pobreza mais acentuada do que as mulheres brancas, com menor escolaridade, faz com que elas vivam em comunidades e dependam mais de creches públicas. Então, a inexistência de creche e de escola integral para os filhos de mulheres negras faz com que elas não tenham condições de pagar uma babá, um cuidador — explica Izete.

Diferença salarial ainda se impõe

A diferença salarial também é uma imposição que leva as mulheres a desistir do trabalho no lugar dos homens. Moradora da Vila Vargas, no bairro São José, em Porto Alegre, Jaqueline Nascimento trabalhou por cinco anos como caixa em um hospital. Concomitantemente, cursava o Ensino Superior, buscando crescimento na empresa. Quando sua filha Maya nasceu, no entanto, se viu obrigada a largar o emprego para se dedicar a ela, que tem síndrome de Down, e ao seu filho Brayan, 12 anos.

— No começo, na minha cabeça, seria só aquele momento, até ela fazer um ou dois, mas hoje ela vai fazer quatro e eu não vejo como ainda. Ela tem imunidade muito baixa, qualquer coisa interna no hospital, tem que correr atrás de terapias, ainda está em adaptação na creche e tudo o mais, muitas consultas — conta Jaqueline, que nesta sexta-feira (8), data que marca o Dia Internacional da Mulher, completa 35 anos.

A decisão foi conjunta entre ela e o companheiro, em função da remuneração de cada um – ela recebia bem, mas ele recebia melhor. Além disso, Jaqueline recorda que apenas conseguia pensar em estar com os filhos, o que também motivou sua escolha em ficar em casa. Assim, a maior parte do sustento passou a prover do marido – que, atualmente, está desempregado. A dona de casa busca ajudá-lo vendendo bolos de pote, sacolés e crochês, quando consegue, e com o valor do Bolsa Família. Mesmo assim, os custos com a filha acabam sendo altos.

— Hoje é diferente, se fosse mais fácil, eu gostaria de estar trabalhando — relata.

A figura feminina no mundo do trabalho

Na avaliação de Cibele Cheron, doutora em Ciência Política, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (NIEM-UFRGS) há precariedade na situação das mulheres no mercado. 

Para a especialista, a figura do cuidado, inclusive nas profissões, é tipicamente feminina. Assim, em carreiras como enfermagem e educação infantil, o teto de remuneração costuma ser mais baixo. Por outro lado, áreas com predominância histórica de homens têm padrão maior de salários. A professora acrescenta, também que há uma estrutura social que interfere nesse cenário. 

— As tarefas do cuidado com o lar e referentes à reprodução, do cuidado com crianças, acabam recaindo de maneira muito desigual sobre as mulheres. Existe uma diferença de horas dedicadas a atividades domésticas que é gritante entre homens e mulheres. Tem uma maior sobrecarga sobre as mulheres, que passam a acumular também o cuidado com estes homens. A atividade deve ser equânime e compartilhada — acrescenta a professora.

Como mudar?

As mulheres vêm conseguindo conquistar uma melhor remuneração, o que diminui, aos poucos, a desigualdade salarial, conforme a professora da PUCRS Izete Bagolin. Porém, para que o cenário mude, é preciso expandir as políticas públicas de oferta de educação para crianças. Além disso, é necessário que as mulheres alcancem maior qualificação para conquistar melhores posições no mercado de trabalho. 

Leis e regulamentações também são imprescindíveis para que uma cultura igualitária possa surgir, na opinião da professora Cibele Cheron. Porém, ambas as pesquisadoras defendem ainda uma mudança no padrão de pensamento, de educação e de cultura na estruturação da sociedade — mudar o entendimento das regras de gênero e de responsabilidade, explica Izete.

Lei pretende alterar o cenário, mas traz desafios

Criada em 2023, a Lei de Igualdade Salarial busca equiparar salários e melhorar a posição das mulheres no mercado, combatendo a cultura de discriminação – pois ainda existem diferenças, explica Mariana Barreiros Bicudo, advogada, sócia do Barreiros Bicudo Advocacia e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho. Contudo, ainda que a lei tenha um propósito nobre, a advogada entende que não é ideal.

A lei obriga as empresas a publicarem um relatório de transparência salarial. Porém, a base utilizada para essa medição pode gerar distorções de resultados, na avaliação de Mariana. Pelo artigo 461 da CLT, homens e mulheres não podem receber remuneração diferente se trabalham para o mesmo empregador, na mesma função, com a mesma perfeição técnica.

Contudo, a lógica adotada pelo relatório é a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que é “muito ampla”, porque cargos que não necessariamente ocupam funções idênticas serão agregados, mesmo que tenham remunerações distintas. Nesses casos, pode haver uma falsa impressão de discriminação e ilegalidades, porque o parâmetro não estaria correto, o que impactaria a reputação de empresas, segundo a advogada. Contudo, o uso do critério legal também seria difícil e delicado, pois implicaria em divulgar salários, ferindo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

— Se a lei vai ser efetiva, eu entendo que, de certa forma, não, porque vai gerar mais discussão judicial. E ela acabou não trazendo nenhuma novidade prática, já que não alterou os critérios de equiparação salarial — avalia.

Fonte: GZH

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