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Número de pessoas resgatadas de condições análogas à escravidão aumenta 214% no RS

O Rio Grande do Sul soma 107 pessoas resgatadas de condições análogas à escravidão entre 1º de janeiro e 22 de maio deste ano. A média é de 21,4 casos por mês. No mesmo período do ano passado, foram 34 trabalhadores resgatados. Na comparação entre os dois períodos, o aumento foi de 214%. E, em todo o ano de 2021, foram 76 pessoas resgatadas no Estado. As informações são do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT).

O procurador do Trabalho Lucas Santos Fernandes, coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT, elenca algumas situações para explicar o crescimento no número de ocorrências:

— Um pouco disso se deve aos índices de pobreza e à maior vulnerabilidade social, oriundos tanto da crise econômica quanto da pandemia de covid-19. Há o aumento das denúncias, que permitem que a fiscalização esteja presente. No Brasil, em 2021, houve um crescimento de 70% no número de denúncias em relação ao ano anterior. Então, a sociedade está mais consciente, também.

A cidade de Bom Jesus, nos Campos de Cima da Serra, lidera o ranking dos municípios gaúchos relacionado ao problema. Foram 80 trabalhadores resgatados somente em abril, de uma propriedade rural localizada em Morro Chato, no interior do município. As pessoas, vindas da Bahia, da Paraíba e do Maranhão, viviam em situação precária, com promessa enganosa de emprego, falta de registro de alguns trabalhadores, pagamento de salários inferiores ao piso da categoria e péssimas condições de alojamento. Todos trabalhavam na colheita de maçãs. São Francisco de Paula, na região da Serra, com 14 casos, e São Borja, na Fronteira Oeste, com sete, aparecem na sequência da lista. 

 — Nos últimos dois anos, tivemos um aumento expressivo no número de trabalhadores resgatados por diversos fatores. Aliado à crise econômica, eu destacaria a flexibilização da legislação trabalhista que vem acontecendo nos últimos anos, uma maior divulgação dos casos envolvendo resgate de trabalhadores, o que tem encorajado as pessoas a fazerem as denúncias, e uma melhor organização das instituições que buscam combater essa prática no Rio Grande do Sul — observa a auditora-fiscal do Trabalho Lucilene Pacini.

As desigualdades sociais levam os trabalhadores para longe de suas casas em busca de oportunidade.

 — Certamente, as condições de maior pobreza e miséria que existem hoje conduzem as pessoas a acreditarem em falsas propostas de emprego. A dificuldade econômica, quase um estado de necessidade, faz com que muitos trabalhadores saiam de seus Estados acreditando em propostas enganosas de outros lugares. O Rio Grande do Sul é o terceiro Estado a mais receber venezuelanos da Operação Acolhida. Então, há esse fluxo migratório bastante grande de estrangeiros. Nas operações, se percebe que são trabalhadores migrantes, por vezes de outros Estados, como do Nordeste, que vêm em busca de oportunidade e chegam aqui percebendo que foram aliciados — avalia o procurador do Trabalho Lucas Santos Fernandes.

Perfil das vítimas

Segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, os setores econômicos mais envolvidos nos resgates no Estado, no período entre 1995 e 2020, foram os de cultivo de plantas de lavoura temporária não especificadas anteriormente (21%), produção florestal (19%), comércio atacadista de madeira e produtos derivados (14%), cultivo de frutas de lavouras permanentes, exceto uva e laranja (13%), atividades de apoio à agricultura (7%), horticultura (5%), comércio varejista de outros produtos novos não especificados anteriormente (5%), carga e descarga (3%), fabricação de obras de caldeiraria pesada (3%), cultivo de cereais (2%), construção de edifícios (2%) e comércio varejista de discos, CDs, DVDs e fitas (2%).

O Observatório ainda traça o perfil das pessoas, entre o período de 2003 e 2020, como sendo de trabalhadores em sua maioria homens, com idade entre 18 e 24 anos, com ocupações agropecuárias e a maior parte se enquadrando na raça branca. A escolaridade vai, para a maioria deles, até o quinto ano incompleto. 

No ano passado, as denúncias no Brasil cresceram 70% em relação a 2020. Para denunciar, basta ligar para o Disque 100. O serviço funciona diariamente e por 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados.

Casos recentes

Em fevereiro, uma mulher de 55 anos foi resgatada em Campo Bom, no Vale do Sinos, de uma casa onde trabalhava havia 40 anos como empregada doméstica. Com limitação intelectual, nunca teve acesso à educação e nenhum vínculo de emprego registrado. Era ameaçada pelos patrões de ficar sem nada caso tentasse fugir. Os documentos ficavam em posse da patroa, e a empregada jamais recebeu dinheiro pelo seu trabalho nas quatro décadas de serviços prestados. 

Após ser resgatada por auditores fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Secretaria de Desenvolvimento Social, a mulher foi para uma instituição de acolhimento da cidade, sob responsabilidade da assistência social do município.

Na ocasião, as verbas rescisórias da empregada foram calculadas em R$ 93.815,53, referentes aos últimos cinco anos de trabalho. Uma guia do seguro-desemprego do trabalhador resgatado foi emitida, o que permitiu o recebimento de três parcelas de um salário mínimo (R$ 1.212). Os patrões, um casal de idosos, tiveram de negociar com a Justiça o pagamento da dívida com a empregada.

No mesmo mês, uma operação conjunta da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) e a Polícia Federal (PF) localizou sete homens que trabalhavam em condições semelhantes à escravidão em duas fazendas de São Borja. Todos resgatados eram homens da própria região e trabalhavam havia dois meses nas propriedades.

Os trabalhadores participavam da aplicação de agrotóxicos em lavouras de arroz sem o uso de qualquer equipamento de proteção individual. Houve relatos entre os resgatados de desmaios e tonturas por causa do contato com os produtos tóxicos. Os homens foram para uma rede de acolhimento.

Municípios gaúchos onde ocorreram os resgates entre 1º de janeiro e 22 de maio deste ano:

  • Bom Jesus – 80 pessoas resgatadas
  • São Francisco de Paula – 14
  • São Borja – 7
  • Putinga – 4
  • Campo Bom – 1
  • Quaraí – 1

Fonte: GZH

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