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Até novembro, metade dos presos em regime fechado no RS não deve mais ter acesso a celulares

De dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), um preso coordenou por chamada de vídeo no ano passado um assalto, com torturas e extorsão, a uma família na Região Metropolitana. Aterrorizados, os moradores precisaram abandonar a casa onde viviam — os ladrões foram alvo de operação da polícia. O caso é um dos que evidencia os laços estabelecidos pelo crime no lado de fora das grades, quando presos acessam celulares. Somente em 2021, 13 mil aparelhos foram recolhidos nas cadeias gaúchas.  

Não é novidade que muitos delitos concretizados na rua são comandados de dentro das casas prisionais. E que criminosos têm acesso a celulares, ainda que via de regra sejam itens proibidos dentro das cadeias. As formas de ingresso são variadas, e por vezes até bastante engenhosas, enquanto o controle por parte do Estado não é suficiente para impedir que os aparelhos sejam usados. Na tentativa de reverter este cenário, o governo do Rio Grande do Sul passou a instalar em maio bloqueadores de celulares em penitenciárias. 

São R$ 29,2 milhões previstos por meio do programa Avançar para a contratação da tecnologia. Até novembro, segundo a Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, a expectativa é de que 15 unidades prisionais tenham recebido os sistemas, incluindo aquele capaz de impedir o sobrevoo de drones — outra forma usada por criminosos para levar telefones, drogas e até armas para dentro das cadeias.  

Nessas penitenciárias, está recolhida 49% da população carcerária em regime fechado no Estado — o que representa cerca de 7 mil encarcerados, segundo a secretaria. O RS mantém atualmente 43,5 mil pessoas que constam como presas, mas estas estão divididas entre regime fechado, semiaberto, aberto e detidos de forma provisória. Ao todo, o RS conta com 150 unidades prisionais, ou seja, elas representam 10% do total.  

As penitenciárias foram escolhidas com base em critérios como não haver nenhum tipo de sistema de bloqueio, representar ao menos uma unidade por região penitenciária, número de drones flagrados sobrevoando o local e de apreensões e ocorrências envolvendo celulares. De janeiro a março deste ano, foram recolhidos 3,5 mil aparelhos em prisões do RS. Soma-se a esses fatores a análise estratégica sobre as casas prisionais onde há presença de lideranças do crime organizado.  

A Pasc é uma das primeiras que está recebendo o sistema. Os preparativos se iniciaram em 1º de maio, com previsão de conclusão em 22 de junho. Isso inclui as fundações, fabricação, entrega e montagem das torres. Serão quatro, sendo que duas já se encontram fixadas no local. A fase de configuração e de teste está prevista para ser concluída até o fim de julho, quando o bloqueador deve entrar em operação.  

A medida é uma das que tenta melhorar a segurança dentro da prisão, que abriga cerca de 200 presos — incluindo lideranças de grupos criminosos. No ano passado, segundo a polícia, um apenado deu ordens de dentro da Pasc sobre como dois assaltantes deveriam torturar, aterrorizar e extorquir uma família de Viamão durante assalto. Um dos bandidos usou um celular para fazer a chamada de vídeo. Nesse momento, os assaltantes ficaram ainda mais violentos e empregaram uma faca da cozinha para ferir o dono da casa. O empresário foi torturado, assim como a esposa, e a filha do casal violentada sexualmente.  

— Ele fazia questão de conversar com a gente. Coordenou tudo lá de dentro (da prisão). Dizia que era para vasculhar a casa, procurar dinheiro, porque tinha dinheiro. Mas não tinha — recordou a mulher, à época, em entrevista a GZH.  

Casos como esse evidenciam, na visão do coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do Ministério Público, promotor Rodrigo da Silva Brandalise, que criminosos não apenas dão ordens por meio de celulares, como utilizam esse tipo de aparelho para prestar contas às lideranças que estão atrás das grades. Tipo de prática que fortalece ainda mais os tentáculos do crime organizado do lado de fora.  

— É importante que de fato o Estado, que é o poder responsável pela segurança pública, tome providências no sentido de que a criminalidade não tenha esse tipo de comunicação. Afinal, estão nas casas prisionais aqueles a quem se imputa a prática de crimes — afirmou.   

Guerra em Porto Alegre   

No mês de março Porto Alegre viveu onda de disparada da violência quando grupos criminosos passaram a se enfrentar. Ali também a polícia identificou que parte das ordens sobre quem deveria matar ou morrer numa disputa sangrenta partia de dentro do sistema prisional. Uma das medidas adotadas foi justamente enviar parte dos chefes dos grupos para a Pasc — ainda que a penitenciária não conte com bloqueador, o governo considera que o local possui mais ferramentas de controle sobre os presos do que outras unidades.  

— Não existe nenhuma região que momentaneamente tenha aumento de homicídios, tenha uma situação conflagrada, como foi com a Cruzeiro, aqui em Porto Alegre, e como está sendo em Rio Grande, sem a ordem do comando, dos líderes, que estão dentro das casas prisionais — afirmou o delegado Fábio Motta Lopes, chefe da Polícia Civil no Estado.  

A Penitenciária Estadual de Rio Grande está, inclusive, entre as primeiras que passaram a receber bloqueadores de celular e drones. Neste ano, o município do sul do Estado já registrou 56 mortes violentas, enquanto em todo ano passado tinham sido 40. O caso mais recente aconteceu na madrugada do último sábado (28), quando um jovem de 20 anos foi alvejado, num caso no qual também há suspeita de disputa pelo tráfico. Apesar das operações e do policiamento reforçado, a onda de violência perdura. Como as lideranças estão nas prisões, espera-se que o bloqueio ajude a arrefecer a situação.  

Uma das expectativas é que a falta de comunicação dos líderes de grupos criminosos leve a um enfraquecimento, tanto de comando quanto financeiro. Afinal, além de ordenar crimes, os celulares também são usados para negociações e decisões estratégicas dentro do grupo, como aquisição e distribuição de armas e drogas. Os aparelhos também são usados como fonte de lucro por meio de outros crimes, como estelionato e extorsão. De janeiro a abril — dados mais recentes — o RS teve quase 30 mil casos de golpes. Sabe-se que boa parte deles é cometido por criminosos no sistema prisional.  

— São muitos crimes impactados por essa medida. Claro que temos de seguir trabalhando do lado de fora, para evitar que outras pessoas ocupem o lugar daquele líder que vai naturalmente sofrer um baque, ter uma redução no poder que tinha. Dentro da estrutura, alguém vai ascender. E vamos seguir monitorando, reprimindo e coibindo novas lideranças que possam surgir — disse Motta Lopes.  

Violência contra a mulher      

Não é somente em casos envolvendo o crime organizado que o uso de celular dentro das prisões é motor para a violência. Recentemente, a ativista dos direitos das mulheres Bárbara Penna procurou a polícia após receber ameaças do ex-companheiro, quatro anos após ele ser condenado por matar os dois filhos deles e pela tentativa de feminicídio contra ela. Em um dos vídeos, dentro da Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC), João Guatimozin Moojen Neto, 28 anos, caminha sorrindo e em outro diz “eu te amo”.  

— Quando eu vi aquilo, fiquei apavorada — contou.  

Bárbara, que chegou a ocupar vaga de suplente na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, registrou o caso na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) e solicitou medida protetiva. O caso, segundo a titular da delegacia, delegada Cristiane Ramos, apesar de despertar atenção não é realidade incomum para quem atua no enfrentamento à violência contra a mulher.  

— Muitas mulheres recebem ameaças de ex-companheiros de dentro de prisões, seja diretamente contra ela ou por outros motivos — detalhou, ao comentar o caso.  

Em 13 de maio, Moojen Neto foi transferido para a Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), até então o único complexo prisional no RS a contar com bloqueador de celular. A PEC, onde ele estava preso, é uma das 15 unidades que está recebendo o sistema de bloqueio, assim como outras do Complexo de Charqueadas. Entre as unidades, está a Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), a maior e mais antiga penitenciária do RS. Com 2,1 mil presos, a prisão é também alvo frequente de tentativas de entradas de ilícitos com o sobrevoo de drones, que muitas vezes são abatidos e capturados pelos policiais militares.  

Captura de drones 

O monitoramento dos drones é uma situação que ocupa e preocupa os responsáveis por manter a segurança nas casas prisionais. Esse tipo de aeronave passou a ser cada vez mais usado para o transporte de itens proibidos. Dentro da prisão, os celulares tanto são usados pelos presos para comunicação, quanto revendidos para outros apenados, como forma de capitalização, podendo chegar a até R$ 10 mil por unidade. Quando o sistema passar a operar, espera-se que esse tipo de situação deixe de ser dor de cabeça para os policiais. 

Isso porque, além de impedir o funcionamento do celular, o sistema será capaz de interceptar, localizar o sinal e capturar drones num raio de 2,5 quilômetros a partir da torre de instalação. Forças da segurança já perceberam, inclusive, maior incidência de sobrevoos dos drones após o anúncio no fim do ano passado de que bloqueadores seriam instalados em cadeias do RS. 

Do lado de dentro e de fora, a inteligência dos órgãos de segurança monitora outras possíveis movimentações por parte de grupos criminosos.  

— Qualquer mudança dessa dimensão dentro do sistema prisional gera apreensão. Durante a pandemia, os presos ficaram sem receber visitas, ali também gerou tensão dentro do sistema, e estávamos preparados. Agora, vamos agir do mesmo jeito — diz o diretor de uma unidade.  

Por questões de segurança, não são divulgados os nomes das próximas penitenciárias que receberão o sistema. O cronograma para instalação nas 15 prisões tem término previsto para 30 de novembro.  

R$ 5 milhões mensais   

A empresa contratada para instalar o sistema pertence ao Grupo Amper e utiliza tecnologia diferente da aplicada na Pecan — a primeira no Estado a contar com bloqueadores. O sistema é capaz de bloquear todos os sinais de celular, internet e qualquer tipo de comunicação não autorizada, com margem de um metro dentro do perímetro do presídio. O governo do Estado garante que esse tipo de tecnologia não vai gerar interferência nas áreas externas, como os moradores próximos, por exemplo.  

Para manter os equipamentos funcionando, o Estado precisará desembolsar cerca de R$ 5 milhões mensais. O contrato firmado com a empresa prevê validade de 12 meses, a contar do início da operação, e pode ser prorrogado por até 60 meses. A verba utilizada faz parte dos R$ 465,6 milhões do Avançar investidos nos sistemas penal e socioeducativo. A contratação da empresa foi realizada sem licitação porque, segundo o governo do Estado, somente a empresa possuía a tecnologia escolhida.  

Custo mensal

Por penitenciária 

R$ 291.476,50 — bloqueador de celular  

R$ 60.317,80 — antidrone* 

Total de R$ 5 milhões    

*No Complexo de Charqueadas este valor será dividido entre quatro unidades (PASC, PEJ, PMEC e PEC) 

Fonte e foto: GZH

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