Uma delação premiada revela um suposto caso de pagamento de propina ao atual prefeito de Bagé, Divaldo Lara (PTB), de até R$ 40 mil por mês, para manter contratos de cerca de R$ 27 milhões com uma empresa que administrou as áreas da saúde e da educação no município.
Lara afirma que as denúncias não são verdadeiras e que os contratos, que são de 2018, foram extintos. O prefeito afirma ainda que não conhece o delator e que vai processá-lo na Justiça. Divaldo Lara diz acreditar que quando os fatos forem aprofundados pela Justiça, serão julgados improcedentes.
O esquema foi descoberto depois que o dono da Ação Sistema de Saúde e Assistência Social, Giovani Collovini Martins, firmou delação em uma investigação do Ministério Público.
A reportagem estava sob censura, após decisões da Justiça, em agosto do ano passado. A juíza Karine Farias de Carvalho, da 18ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, determinou que a RBS TV não divulgasse os dados obtidos na investigação do MP, decisão que foi mantida pelo Desembargador Jorge André Pereira Gailhard, da 5ª Câmara Cível do TJ-RS.
A RBS TV recorreu ao Supremo Tribunal de Federal (STF) e obteve decisão favorável do ministro Gilmar Mendes. Em liminar, ele suspendeu a proibição.
“Não é demasiado ressaltar que a história recente das democracias constitucionais tem nos advertido que as cláusulas de liberdade de expressão e de imprensa devem ser preservadas em benefício da obtenção da informação pela coletividade”, cita o ministro no despacho.
Como funcionava o esquema
Segundo o promotor Antônio Kepes, da Procuradoria de Prefeitos do Ministério Público, a empresa de Giovani, uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), contratava mão de obra para a saúde e educação. A fiscalização do contrato não era realizada, diz.
“Era uma farra, não havia uma fiscalização, não havia prestação de contas. Quando eram feitas, se foi comprovado que a prestação de contas era feita com auxílio, inclusive, de servidor da prefeitura. Eles se reuniam até pra isso”, afirma.
Em Bagé, a delação resultou em uma denúncia criminal por crimes como corrupção e organização criminosa, e uma ação civil pública por improbidade administrativa, na qual o promotor Claudio Morosin conseguiu o bloqueio de bens do prefeito Divaldo Lara e ainda pediu à Justiça que ele seja declarado inelegível.
Em troca, o prefeito teria recebido uma mesada de R$ 40 mil por contratos de R$ 20 milhões. O delator e empresário disse que os pagamentos seria feitos pelo sócio dele, Edinilson Nogueira Kailer, atual diretor da Solução em Gestão, organização que administra unidades de saúde em Novo Hamburgo.
“O município pagava um valor fechado para a OSCIP e não fiscalizava. Nós temos, assim, um superfaturamento. O que seria o superfaturamento, o pagamento de valores sem a contraprestação por parte da OSCIP”, comenta Kepes.
A mulher de Edinilson, Edinele Kailer Martins, também faria parte do esquema, conforme o MP. A RBS TV teve acesso a um vídeo gravado ainda antes da delação, no qual o delator descreve os supostos pagamentos feitos a Divaldo Lara pelo sócio, Edinilson.
As defesas de Edinilson, Edilene e também da Ação Sistema de Saúde e Assistência Social informaram à reportagem que não irão se manifestar.
Cruzamento de mensagens e sigilo bancário
Para comprovar as denúncias de delação, os promotores cruzaram mensagens de celular com quebras de sigilo bancário. Em uma delas é citado o saque de R$ 40 mil. O extrato bancário confirma que, no dia da mensagem, o saque foi realizado, e em dinheiro vivo, em uma agência.
Os pagamentos de propina, conforme o delator, aconteciam nos dias em que a prefeitura liberava o dinheiro do contrato à empresa, como mostra uma tabela obtida pela reportagem. Para cada transferência, um saque na boca do caixa.
Entre os dias 25 e 27 de outubro de 2017, o município transferiu para a conta da Ação Sistema de Saúde mais de R$ 600 mil. Nesses dias, foram descobertos dois saques, em dinheiro vivo, de R$ 40 mil cada.
O esquema teria causado um prejuízo aos cofres públicos de R$ 1,1 milhão. Além das propinas, o MP diz que descobriu um cabide de empregos para apadrinhados políticos na terceirizada. O delator afirma que vereadores e o próprio prefeito indicavam cargos, sem qualquer critério.
Um relatório de inteligência, ao qual a reportagem teve acesso, mostra nomes de funcionários da empresa e fotos em que aparecem fazendo campanha eleitoral para Divaldo Lara. O prefeito teria mandado contratar até uma sobrinha dele.
Além de Lara, foram denunciadas outras sete pessoas, incluindo sócios da organização e altos funcionários do município. A denúncia foi feita no início de 2021, e ainda não foi aceita pela Justiça.
Com os bens bloqueados pela Justiça por causa de outros dois processos, Lara se reelegeu em 2020, com 50% dos votos. Uma de suas bandeiras na campanha foi o combate à corrupção, simbolizado por um relho.
Foto: Rodrigo Sarasol/Prefeitura de Bagé