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Dois trabalhadores são resgatados em condição análoga à escravidão em Novo Hamburgo, afirma MTE

Dois trabalhadores foram resgatados em condição análoga à escravidão doméstica em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, por uma força-tarefa coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Segundo a inspeção, os trabalhadores estavam em um alojamento precáriosem portas, banheiro ou iluminação elétrica e receberam promessas não cumpridas de salário.

O resgate envolveu uma operação que contou também com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Civil, no último dia 16 de julho. A ação estava em sigilo enquanto os trabalhadores eram mantidos em um abrigo. Na última sexta (2), eles voltaram aos seus lares.

“Constatamos trabalho análogo ao de escravo nas modalidades de trabalhos forçados, condições degradantes e retenção no local do trabalho em razão de apoderamento de documento pessoal”, afirmou a auditora-fiscal do Trabalho e coordenadora da Fiscalização para Combate ao Trabalho Escravo no RS, Lucilene Pacini.

Segundo a investigação, os trabalhadores teriam sido contratados por Arno Dilson Pospichil, de 75 anos, vizinho do local, com a alegação de que fariam a vigilância de um terreno baldio.

No entanto, eles supostamente faziam também serviços domésticos, como limpeza, manutenção, cuidados com animais e compras no mercado para o homem, segundo o MPT. Arno nega que os resgatados fizessem trabalhos domésticos.

‘Prometeu mas nunca deu’, diz trabalhador

A reportagem da RBS TV conversou com os dois trabalhadores. Um deles é o piauiense Manoel Rodrigues de Aquino Filho, de 54 anos. Nos últimos seis anos, ele diz que morou e trabalhou no local com a esperança de um dia voltar para a terra natal. Segundo ele, a promessa do empregador era de que ele receberia cerca de R$ 200 por semana.

“Me prometeu, mas nunca deu. Ele só dizia ‘quando tu ir embora, eu vou te dar um dinheiro bom’. E aí eu confiei, eu confiei”.

Manoel é analfabeto e veio para o Rio Grande do Sul em busca de emprego como carpinteiro ou pedreiro, mas não conseguiu outra oportunidade.

“No terreno dele, eu tinha que limpar, limpar as coisas dos passarinhos, lavar as coisas dos cachorros, cuidar de gato, limpar a caixa de esgoto”, descreve.

Ele afirma que ia ao supermercado para fazer compras para o homem e também tomava conta dos animais de estimação da casa.

O outro homem resgatado prefere não se identificar. Ele conta que ficou cerca de um mês no local. A ideia era juntar dinheiro para consertar o veículo que usa para trabalhar como motorista de aplicativo. Ele alega que nunca recebeu o valor prometido.

“Não tinha alimentação, não tinha água, não tinha luz. Eu acho que nem o escravo antigo passava por essa situação”, afirmou.

Empregador diz que investigação é ‘absurda’

Arno Dilson Pospichil, apontado como empregador pelo MTE, se apresenta como prestador de serviço para regularização de imóveis em Novo Hamburgo. A reportagem da RBS TV esteve no endereço onde ele mora, ao lado do terreno, na área central da cidade. Ele admitiu que Manoel fazia serviços de limpeza, vigilância do terreno e até compras no mercado, mas negou que ele era seu empregado.

“Não existiu nenhuma promessa dessa natureza. Eu colocava pra ele, assim, valores intermitentes, não era uma coisa fixa. Eu fornecia um botijão de gás, ora eu dava R$ 50, ora eu dava R$ 100, mas nem era contínuo”, declarou .

Sobre o outro homem resgatado, Arno disse que “nem o conhecia” e que a investigação “é um absurdo”.

Ministério Público do Trabalho busca verbas rescisórias

Após a inspeção feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu um inquérito civil para buscar reparação aos trabalhadores, que já tiveram o seguro-desemprego de três meses liberado por ato da Gerência Regional do Trabalho.

Segundo a procuradora Mônica Delgado Pasetto, a primeira audiência sobre o caso já aconteceu com o depoimento dos trabalhadores para que eles pudessem seguir para seus lares.

“Depois disso, o Ministério Público do Trabalho apresentou o cálculo das verbas rescisórias. Não tendo o empregador interesse em resolver essa situação na via administrativa, o MPT vai promover a ação civil pública competente para o recebimento desses valores e indenização por dano moral e coletivo”, informou.

A procuradora ainda disse que a situação exemplifica casos comuns, em que o trabalhador possui alta vulnerabilidade.

“Normalmente, essa situação é uma exploração disfarçada de caridade. O trabalho escravo é um instrumento de diminuição de riscos pro contratante, então o contratante quando faz isso quer diminuir competitividade, aumentar o ganho ou não ter prejuízo com a situação, que é justamente o caso. Ele não queria ter o gasto por cuidar daquele local”, afirmou.

Retorno de trabalhadores

Os trabalhadores resgatados passaram cerca de 10 dias em um abrigo municipal de Novo Hamburgo, enquanto acontecia, na Justiça do Trabalho, a primeira audiência sobre o caso. O trabalhador que não quis se identificar já retornou para sua cidade, no litoral gaúcho.

O MTE providenciou passagem de ônibus, paga com verba da fiscalização do trabalho, para Manoel voltar ao Nordeste com a sua família. Na última sexta-feira (2), ele pegou o ônibus na Rodoviária de Novo Hamburgo, mesmo local em que usou o banheiro, contando com a boa vontade de funcionários, por mais de seis anos.

Fonte: G1 RS

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