Por: Bruno Seligman de Menezes, Advogado Criminalista e Professor Universitário (UFSM, UFN, FADISMA)
O Brasil parou para acompanhar o julgamento da tragédia da Boate Kiss. Há quase 9 anos, assistíamos incrédulos, minuto a minuto, aumentar o número de jovens mortos, naquele que foi o domingo mais triste de nossas vidas.
Dali em diante, o Estado preocupou-se em movimentar suas engrenagens, entregando quatro pessoas presas, sem que houvesse mínimas razões processuais para tanto. Era o momento de aplacar a sanha punitivista da opinião pública, oferecendo, em uma bandeja, a liberdade dos quatro envolvidos.
Com a investigação, revelou-se a inoperância dos órgãos fiscalizadores de segurança – uma única porta, ausência de saída de emergência, barras de contenção. Tudo, absolutamente tudo, liberado pelo poder público. Alvarás nas paredes gritavam aos sócios, funcionários e clientes que o Estado ali havia estado e autorizado o seu funcionamento.
De forma absolutamente independente, a Polícia Civil apontou incontáveis responsabilidades, e uma delas respingava no próprio Ministério Público, que ingressou na boate pela única porta, desviou – e fotografou – da barra que dificultou a saída de muitos, e nada viu de irregular. Para punir todos, precisava punir um dos seus.
E foi aí que o sistema começou a agir. A maneira de blindar a instituição, foi blindar todos os agentes públicos, responsabilizando quatro pessoas apenas. Só que, para isso, precisaria se corromper o direito penal. Precisaria negar conceitos entalhados nos cânones do direito, para atender a um fim político (político-criminal, é verdade, mas ainda assim político), institucional, midiático e populista.
Criou-se o discurso da condenação em nome de um bem comum, a evitação de novas tragédias. À medida em que passavam os dias, e a população acompanhava provas e argumentos do processo, a acusação – e posterior condenação – dos réus foi se tornando em um dos maiores constrangimentos causados por um processo criminal neste Estado. Mais do que os quatro réus, também foi condenado, de forma inapelável, o Direito Penal.
O mérito de se condenar quatro pessoas, em nome de um bem comum, a quase vinte anos de prisão me lembra do professor maranhense Agostinho Ramalho Marques Neto, “quem nos protege da bondade dos bons?”.