O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, na tarde desta terça-feira (25), a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Os ministros ainda debatem critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes, inclusive quantidade de droga. O julgamento deve ser concluído nesta quarta-feira (26).
A decisão só passa ter efeitos práticos quando o julgamento for encerrado e o acórdão publicado.
O relator Gilmar Mendes pediu a palavra para destacar que a descriminalização da maconha não trata-se de “liberou geral”, segundo ele. É sim, conforme destacou, um problema de saúde pública:
— A premissa é de que a droga causa danos e que as pessoas precisam ser tratadas quando são viciadas.
O julgamento havia sido interrompido em março, após pedido de vista do ministro Dias Toffoli para analisar melhor o caso. Na ocasião, o placar estava em cinco a três pela descriminalização. Dias Toffoli votou na sessão de quinta-feira. Num primeiro momento, o voto de Toffoli foi interpretado como uma terceira corrente.
Nesta terça-feira, ele pediu para explicar melhor sua posição. Desculpou-se por não fazer entender e afirmou que “há seis votos pela descriminalização”. Sendo assim, formou-se maioria pela descriminalização.
— A descriminalização já conta com seis votos. O meu voto se soma ao voto da descriminalização. Hoje pela manhã Vossa Excelência (Barroso, presidente do STF) me perguntou como meu voto era para ser proclamado. Por isso, entendi por bem fazer essa complementação. Se eu não fui claro o suficiente, o erro é meu, de comunicador — afirmou Toffoli.
Afirmou que o voto dele se soma aos outros a favor da descriminalização. Só que foi além, ao considerar que não é crime o porte de todas as drogas, não apenas a maconha. Forma maioria, portanto.
Depois do complemento de Toffoli, Luiz Fux votou. Ele se posicionou a favor da descriminalização, assim como Cármen Lúcia.
Posicionaram-se pela descriminalização os ministros:
- Gilmar Mendes
- Luis Roberto Barroso
- Alexandre de Moraes
- Edson Fachin
- Rosa Weber
- Dias Toffoli
- Luiz Fux
- Cármen Lúcia
Votaram contra:
- Cristiano Zanin
- André Mendonça
- Nunes Marques
Flávio Dino não vota, pois sucedeu a ministra Rosa Weber (aposentada), que já votou.
O julgamento foi iniciado em 2015 e voltou a plenário em agosto de 2023, mas acabou sendo interrompido após pedido de vista do ministro André Mendonça. Depois, voltou a ser suspenso em março de 2024.
O debate trata da aplicação do artigo 28 da Lei de Drogas, ou Antidrogas (Lei 11.343/2006), que prevê sanções alternativas, como medidas educativas, advertência e prestação de serviços, para a compra, porte, transporte ou guarda de drogas para consumo pessoal.
O plenário por unanimidade considera que é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, o tráfico e tratar os dependentes. Estamos apenas debatendo a melhor forma de combater essa epidemia. Droga é ruim, nós a condenamos.
LUIS ROBERTO BARROSO
Presidente do STF
O consumo de maconha não foi legalizado, ou seja, continua proibido na legislação. Uma das consequências práticas da decisão é que quem for enquadrado como usuário não terá antecedentes criminais.
— O que acho mais nefasto é a pecha de criminoso que se coloca no usuário e que o inibe de buscar ajuda nos casos de dependência — defendeu Toffoli.
Assim como o relator da ação, o presidente do STF destacou, antes de encerrar a sessão, que o porte de droga é um ato ilícito, que está sujeito a sanções, porém não penais.
— O plenário por unanimidade considera que é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, o tráfico e tratar os dependentes. Estamos apenas debatendo a melhor forma de combater essa epidemia. Droga é ruim, nós a condenamos — finalizou Barroso.
Entenda
O julgamento foi motivado por um caso ocorrido em São Paulo, em que a Defensoria Pública questionou a condenação de um homem a dois meses de serviços comunitários pelo porte de três gramas de maconha. A defesa argumentou que o fato não implicaria em danos a bens jurídicos alheios ou à saúde pública, e pediu que o porte de maconha para uso próprio fosse deixado de ser considerado crime.
A ação questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que estabelece ser crime “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
O caso tem repercussão geral, ou seja, a decisão deverá ser aplicada pelas outras instâncias da Justiça.
Como diferenciar usuários de traficantes
A segunda etapa do julgamento gira em torno da quantidade de droga que deve ser usada como parâmetro para distinguir o consumidor do traficante. As propostas apresentadas até o momento vão de 25 a 60 gramas. Uma terceira corrente no STF defende a abertura de prazo para o Congresso estabelecer esse limite.
Esse é um ponto central porque, na avaliação dos ministros, vai ajudar a uniformizar sentenças e evitar abordagens preconceituosas. Estudos citados no plenário mostram que negros são condenados como traficantes com quantidades menores do que brancos. O grau de escolaridade também gera distorções nas condenações — a tolerância é maior com os mais escolarizados.
— A quantidade vem sendo utilizada, lamentavelmente, como uma forma de discriminação social — criticou Alexandre de Moraes.
A quantidade, no entanto, não será um parâmetro soberano. Outros elementos podem ser usados para analisar cada caso.
Crise com o Congresso
O julgamento aprofundou a animosidade entre o STF e o Congresso. A bancada evangélica reagiu em peso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também chegou a se manifestar publicamente contra a interferência do Judiciário. Ele defende que a regulação das drogas cabe ao Legislativo e não deveria estar sendo discutida pelo Supremo.
Deputados e senadores debatem uma proposta de Rodrigo Pacheco para driblar o STF e incluir na Constituição a criminalização do porte de drogas, independente da quantidade. Uma comissão especial será criada para debater o texto.
— Nós estamos assumindo para nós problemas que não são nossos, por falência dos outros órgãos de deliberação da sociedade. E depois nos chamam de ativistas — criticou Toffoli nesta terça.
Os votos
A favor da descriminalização
- Gilmar Mendes (relator)
“Despenalizar sim, mas mais do que isso: emprestar o tratamento da questão no âmbito da saúde pública e não no âmbito da segurança pública.“
- Rosa Weber (aposentada)
“A dependência química e o uso de drogas são questões que se inserem no âmbito das políticas públicas de saúde e de reinserção social. Delimitada a questão como problema de saúde pública, tenho por desproporcional e utilização do aparato penal do Estado para a prevenção do consumo dos entorpecentes.”
- Alexandre de Moraes
“Quem conhece o Direito Penal, sabe que só é crime o que é apenado com reclusão e detenção e só é contravenção o que é apenado com prisão simples.“
- Luís Roberto Barroso
“O que nós queremos é evitar a discriminação entre ricos e pobres, entre brancos e negros. Nós queremos uma regra que seja a mesma para todos. E fixar uma qualidade impede esse tipo de tratamento discriminatório. Ninguém está legalizando droga.”
- Edson Fachin
“O dependente é vitima e não criminoso germinal. O usuário em situação de dependência deve ser tratado como doente.”
- Dias Toffoli
“Estou convicto de que tratar o usuário como um tóxico delinquente não é a melhor política pública.”
- Luiz Fux
“Não se está dizendo aqui que o consumo de drogas é lícito e nem que se pode consumir droga em local público. Nós não vamos transformar o Brasil em uma cracolândia.”
Contra a descriminalização
- Cristiano Zanin
“Não tenho dúvida de que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas, mas se o Estado tem o dever de zelar pela saúde de todos, tal como previsto na Constituição, a descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para o agravamento desse problema de saúde.”
- André Mendonça
“O legislador definiu que portar drogas é crime. Transformar isso em ilícito administrativo é ultrapassar a vontade do legislador. Nenhum país do mundo fez isso por decisão judicial.”
- Kassio Nunes Marques
“A grande preocupação da maioria das famílias brasileiras não é se o filho vai preso ou não. A preocupação é que a droga não entre na sua residência. Para isso, a lei tem hoje um fator inibitório. A sociedade brasileira precisa de instrumentos para se defender.”
Fonte: GZH