Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. O colegiado considerou que a lei trata de violência baseada em gênero, e não no sexo biológico.
A decisão do STJ é inédita e abre precedente para que outros casos semelhantes tenham o mesmo entendimento. Embora alguns tribunais inferiores já tenham decisões parecidas, ainda há muitos casos em que as medidas protetivas e demais dispositivos da Lei Maria da Penha são negados às mulheres trans.
A decisão do STJ se refere a um recurso do Ministério Público de São Paulo e determinou a aplicação das medidas protetivas requeridas por uma mulher transexual, nos termos do artigo 22 da Lei 11.340/2006, após ela sofrer agressões do seu pai na residência da família.
O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram as medidas protetivas, entendendo que a proteção da Maria da Penha seria limitada à condição de mulher biológica. Ao STJ, o Ministério Público argumentou que não se trata de fazer analogia, mas de aplicar simplesmente o texto da lei, cujo artigo 5º, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência “baseada no gênero”, e não no “sexo biológico”.
“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.
O magistrado lembrou ainda que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo, e apontou a necessidade de “desconstrução do cenário da heteronormatividade”, permitindo o acolhimento e o tratamento igualitário de pessoas com diferenças.
Para o ministro, a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas apenas define, para sua aplicação, que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.
Schietti ressaltou entendimentos doutrinários, segundo os quais o elemento diferenciador da abrangência da lei é o gênero feminino, sendo que nem sempre o sexo biológico e a identidade subjetiva coincidem. “O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo”, declarou. O ministro destacou que a violência de gênero “é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem”.
Fonte: G1