Por: Isaac Carmo Cardozo – Colunista
Em abril deste ano, contei a história do meu amigo João-de-Barro.
Por ironia do destino, poucos dias depois, a casa que ele havia construído foi destruída pelas fortes chuvas que assolaram nossa terra de São Borja.
Mas, como sempre, persistente e obstinado, ele não desistiu. Junto de sua companheira, pôs-se novamente a reconstruir o que havia perdido.
A antiga morada ficava no alto de um poste; desta vez, decidiu construir mais abaixo, entre os fios. Passei a acompanhar, dia após dia, aquele pequeno arquiteto de asas. Observava sua dedicação em construir sua casa com o bico e suas asas, moldando pacientemente o lar que abrigaria seus sonhos.
Porém, a cada vez que a obra chegava à metade, as chuvas e os ventos voltavam a castigá-lo. Vi sua casa cair ao chão tantas vezes que perdi a conta. E, ainda assim, lá estava ele — incansável.
Enquanto olhava aquela casinha desmoronada na parte de baixo do poste, via também, lá em cima, o João-de-Barro insistindo, como quem desafia o próprio destino.Às vezes ele trabalhava sozinho; outras, sua companheira observava dos fios, vigilante, cúmplice.
Pensei várias vezes em ajudá-lo. Quis colocar um suporte, inventar uma proteção, pedir a alguém que subisse no poste e lhe desse abrigo. Mas o máximo que fiz foi orar.
Toda vez que o tempo ameaçava fechar, eu pedia a Deus que protegesse o pequeno casal e sua casa — para que pudessem, enfim, descansar sob um teto firme.
Lembro bem do dia em que a obra chegou à “meia-água”. Começou a chover e, de longe, vi os dois abrigados ali dentro, esperando a tempestade passar.
Quando o tempo se acalmava, ele voltava ao trabalho, como quem sabe que o recomeço é o único caminho.
E, nesta semana, vi com alegria que ele concluiu sua casa.
As chuvas voltaram, os ventos também sopraram fortes — mas ela permanece lá, firme e altiva.
Se, por acaso, cair novamente, não tenho dúvidas: o meu amigo João-de-Barro recomeçará do zero, como sempre fez.
Dizem que o brasileiro é teimoso, que não desiste nunca. Pois bem — para mim, o verdadeiro símbolo do nosso povo é o João-de-Barro.
Sua persistência, sua fé no trabalho e na reconstrução do lar mostram que, mesmo quando a vida desaba, é preciso juntar o barro e reerguer os sonhos.
Hoje, 04 de outubro, sua casa ainda está lá — sólida e serena.
Peço a Deus que proteja o João-de-Barro e sua companheira, e que a história deles sirva de exemplo para todos nós, que aqui embaixo, admiramos essa majestosa morada erguida com o bico, as assas e, sobretudo, o coração.
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.
