Durante minhas pesquisas sobre a cultura de São Borja, encontrei volumes da Antologia Poética Vargas Neto, publicados pelo Centro Cultural de São Borja, especialmente pelo seu Departamento de Letras. Essas obras, editadas a partir de 1997 — há 28 anos —, representam um período de intensa movimentação artística e literária na cidade. O Centro Cultural foi, naquele tempo, um espaço de criação, convivência e difusão de talentos, reunindo poetas de diversas regiões do país.
As antologias destacavam o nome de Vargas Neto, escritor que deu origem ao título das coletâneas e cuja trajetória merece ser lembrada. Segundo a biografia apresentada por Israel Lopes, Vargas Neto nasceu em 30 de janeiro de 1903, filho de Viriato Dornelles Vargas e Balbina Nunes de Vargas. Era sobrinho do presidente Getúlio Dornelles Vargas e irmão do General Serafim Dornelles Vargas, herdando o nome do avô, o General Manoel do Nascimento Vargas.
Desde cedo, demonstrava curiosidade e sensibilidade. Observava os costumes do campo, ouvia trovadores e gaiteiros, e conversava com os mais velhos em busca de compreender a essência do gaúcho. Formou-se em Direito em Porto Alegre e atuou como juiz municipal, promotor público e jornalista. Casou-se em 1929 e, em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde construiu uma sólida carreira.
Luís Simões Lopes lembrava com carinho de Vargas Neto, quando se encontravam em Porto Alegre. Descreveu-o como um grande declamador, de cadência arrastada e voz quente e macia de fronteiriço missioneiro. Em uma introdução que escreveu para a edição póstuma Poemas Farrapos, destacou que Vargas Neto possuía um talento singular e uma simplicidade cativante. Sua voz, aliciadora e melodiosa, dava vida às trovas gauchescas que declamava. Para Simões Lopes, ouvir Vargas Neto era uma experiência marcante — sua entonação ficava gravada na memória como uma música. Cabe ressaltar que esse poeta são-borjense alcançou grande repercussão nacional.
Autor de obras como Tropilha Crioula (1925), Joá (1927), Gado Xucro (1928) e Tu (1928), Vargas Neto foi também deputado federal, cronista esportivo e presidente da Federação Carioca de Futebol. Em 1957, fundou a Estância da Poesia Crioula, tornando-se uma das vozes mais respeitadas da literatura regionalista. Após sua morte, em 5 de maio de 1977, sua cadeira foi ocupada por Aparício Silva Rillo, o que evidencia o reconhecimento conquistado ao longo da vida.
Mesmo residindo longe, manteve-se ligado ao Rio Grande e às tradições que moldaram sua formação. Sua poesia, marcada pela linguagem simples e pelos temas campeiros, alcançou projeção nacional. Vargas Neto foi, antes de tudo, um intérprete sensível da alma gaúcha.
O Centro Cultural de São Borja, ao longo de sua atuação, buscou preservar e divulgar essa herança. Foram organizadas quatro antologias poéticas, com a participação de Israel Lopes e de Ramão Aguilar, que estiveram presente em todas as edições, sendo que Ramão Aguilar presidiu o Centro na 3ª e 4ª antologias. Também contribuíram nomes como Rita Gattiboni, presidente do Centro Cultural nas 1ª e 2ª edições.
Essas publicações reuniram escritores de diversos estados, demonstrando a amplitude que São Borja alcançava como referência literária. O projeto das antologias reforçou a importância da cidade como ponto de encontro de ideias e expressões culturais.
Recordar esse período é reconhecer o trabalho de pessoas que dedicaram tempo e talento à valorização da arte e da literatura local. O Centro Cultural de São Borja foi um marco que contribuiu para projetar a cidade em nível nacional, por meio da poesia e do incentivo à produção intelectual.
Vargas Neto deixou um legado de compromisso com a palavra e com a identidade regional. Suas obras e iniciativas permanecem como testemunhos de um tempo em que a literatura era instrumento de expressão e pertencimento.
Mais do que nostalgia, a lembrança desse capítulo da história cultural de São Borja é um gesto de reconhecimento — uma forma de manter viva a memória daqueles que, com dedicação e talento, ajudaram a construir o patrimônio literário da cidade.
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.
















