Um áudio obtido pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) revela que o policial penal Luigi Munhoz Barbosa teria alertado com antecedência a direção da Polícia Penal, antiga Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), sobre um plano de assassinato envolvendo o detento Jackson Peixoto Rodrigues, conhecido como Nego Jackson, 41 anos.
A mensagem teria sido enviada na véspera do crime, no dia 22 de novembro, ao diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal do órgão, Anderson Prochnow.
— Diz que transferiram o Nego Jackson, Jackson Peixoto Rodrigues, pra Pecan. Ele tá na triagem da Pecan 3, tá? (…) Os caras tão se articulando pra pegar e apagar ele, lá dentro da coisa — diz o servidor no áudio.
Ao GDI, Luigi Munhoz Barbosa disse que passou a mensagem “para a cadeia hierárquica competente” tão logo recebeu a informação.
A arma foi localizada no corredor do presídio após os disparos. Dois presos foram indiciados pelo homicídio. A Polícia Civil segue investigando outros possíveis envolvidos e as circunstâncias do crime. Ainda não se sabe como o armamento entrou no local.
O que dizem as instituições
A reportagem solicitou entrevistas com o diretor da Polícia Penal, Anderson Prochnow, e com o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Jorge Pozzobom.
A secretaria se manifestou por meio de nota conjunta, explicando que “todos os procedimentos necessários foram imediatamente realizados” após o recebimento do áudio do servidor. O conteúdo foi informado à Delegacia Penitenciária Regional – Setor Operacional e ao Setor de Inteligência da Polícia Penal.
Ainda segundo o comunicado, todas as providências foram adotadas após o recebimento do áudio e do bilhete. Disse ainda que recebe diariamente diversas denúncias e informes, muitos deles falsos, mas que todos são “tratados com seriedade”.
A secretaria afirmou também ter intensificado medidas de segurança na Pecan, como a remoção de suspeitos de facilitar o acesso à comunicação via celular e o reforço em revistas nas celas.
O diretor do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, delegado Mário Souza, confirmou que o áudio com o alerta está sob investigação, que corre em sigilo.
— Um elemento como esse pode implicar em algum tipo de omissão por parte de quem poderia, quem sabe, ter evitado esse crime.

Como foi o crime
A reportagem do GDI apurou que os detentos estavam em uma cela em frente à da vítima, um espaço que deveria isolar líderes de facções rivais. Durante a contagem dos presos, os dois saíram da cela. Um se aproximou da portinhola para atrair Nego Jackson para perto da porta e o outro efetuou os disparos.
Antes de morrer, o próprio detento havia denunciado, por carta, a fragilidade da estrutura. Ele afirmava que o espaço destinado ao isolamento abrigava presos de facções inimigas separados apenas por portinholas.
A Polícia Civil instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias da morte. A delegada Graziela Zinelli, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, disse que a posição dos presos no momento do crime e os motivos para estarem ali permanecem sob sigilo.
“Tem que afastar o apenado”, diz especialista
Consultado pela RBS TV, o ex-comandante-geral da Brigada Militar e especialista em segurança pública, coronel João Carlos Trindade, afirma que o preso deveria ter sido imediatamente removido após o alerta.
— Isso é indelegável e até impostergável. Tem que afastar o apenado, preservar a vida, que é um bem maior — afirmou.
Segundo o coronel, o risco não era apenas para o preso, mas também para os agentes penitenciários e para a segurança pública fora da prisão, uma vez que mortes dentro do sistema prisional podem desencadear represálias nas ruas.
— Pode ter tiroteio, bala perdida, pode ter morte de pessoas que não têm nada a ver com isso — alertou.
O que diz a secretaria:
“A Polícia Penal informa que desde a morte do apenado Jackson Peixoto Rodrigues, no dia 23 de novembro de 2024, dentro do Complexo Prisional de Canoas, o governo adotou uma série de ações para o reforço da segurança deste e de outros estabelecimentos prisionais do Estado.
Como primeira medida, em parceria com outros órgãos de segurança, desarticulou o comércio ilegal instalado no entorno do Complexo Prisional de Canoas, onde havia a suspeita de facilitação da transmissão de sinal de celular para os apenados, coibindo a permanência irregular de barracas nas proximidades da unidade. Para não deixar os visitantes desassistidos, as visitas utilizam o abrigo de visitas em frente à Penitenciária Estadual de Canoas 1 (Pecan 1).
Outra providência é a atuação constante do Grupo de Ações Especiais (GAES) e do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) realizando revistas pontuais e extraordinárias na unidade e a instalação do telamento na galeria de triagem.
Em novembro, o governador Eduardo Leite efetivou a entrega do novo Módulo de Segurança Máxima da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), na Região Carbonífera. O módulo conta com 76 celas individuais, que são destinadas, prioritariamente, para líderes e mandantes de grupos criminosos envolvidos com homicídios dolosos, inviabilizando, a partir do isolamento, qualquer tipo de comunicação. Logo após a morte registrada no Complexo, diversos líderes foram transferidos para este local.
A respeito do bilhete e do áudio enviados um dia antes do assassinato do preso Jackson Peixoto Rodrigues ao diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Polícia Penal à época, a Instituição informa que todos os procedimentos necessários foram imediatamente realizados, sendo os conteúdos informados a Delegacia Penitenciaria Regional – Setor Operacional e ao Setor de Inteligência da Polícia Penal.
Cabe ressaltar que, diariamente, inúmeras denúncias e informes são recebidos no sistema prisional, na sua quase totalidade anônimos e falsos, com o intuito de promover desordem, desestabilidade e caos. Todos eles, porém, são tratados com seriedade e com a responsabilidade necessária para a segurança de todos os envolvidos: servidores e pessoas privadas de liberdade.
No comando da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo há um mês, o secretário Jorge Pozzobom monitora de perto o caso. Além disso, buscando o constante aprimoramento do sistema, elencou seis ações estratégicas como norteadoras da gestão, a chamada Matriz Sortes. Elas priorizam a segurança pública; as obras; a assistência religiosa; o trabalho prisional; a educação e os servidores.
Ainda, é importante salientar que, dentro da sua estratégia para melhorar o sistema prisional, o governo do Estado tem aportado investimentos históricos no sistema prisional. De 2019 a 2026, os recursos aplicados na área terão ultrapassado o valor de R$ 1,4 bilhão. Até o fim do governo, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo prevê a construção de cinco novas unidades prisionais, a ampliação de outras quatro, e a entrega da readequação da Cadeia Pública de Porto Alegre. Tudo isso demonstra a preocupação constante com a qualificação do sistema prisional e da segurança pública.
Sobre o andamento do Inquérito Policial
A Polícia Civil informa que o crime foi inicialmente apurado por meio de um Inquérito Policial, no qual os atos praticados na ocasião foram esclarecidos. Duas pessoas foram presas em flagrante por envolvimento direto no homicídio, e o procedimento foi devidamente concluído e remetido ao Poder Judiciário, com individualização de condutas e delimitação das responsabilidades.
Paralelamente, um segundo Inquérito Policial encontra-se em andamento com o objetivo de verificar se há eventual participação de outros indivíduos em condutas acessórias relacionadas aos fatos. Essa medida reforça a ampla apuração sobre o fato.”