A Brigada Militar realiza inúmeras operações ao longo do ano, muitas delas em parceria com o Ministério da Justiça, como a Operação Hórus, com foco em áreas de fronteira. O objetivo principal é coibir o contrabando, o descaminho, o abigeato e o tráfico internacional de drogas. Coube à minha equipe ser designada para a Barra do Quaraí, na tríplice fronteira com a República Oriental do Uruguai e Argentina.
Foi um período histórico e desastroso para o Rio Grande do Sul, assolado por enchentes de grandes proporções que atingiram severamente a região central, o Vale do Taquari, Serra, Sul, região metropolitana e a Capital, causando inúmeras perdas humanas e materiais. Estivemos nesse município histórico em maio de 2024, quando o frio castigava as madrugadas com temperaturas mínimas de 6°, tornando as noites de policiamento de fronteira longas e desafiadoras.
Nos intervalos, procurei preencher o tempo conhecendo a história local. Despertou-me grande curiosidade o Saladeiro da Barra do Quaraí, tema de outro texto que escrevi, e a figura de Batista Luzardo, personalidade marcante da região.
Chegar à Estância São Pedro exige atravessar um setor de vigilância e percorrer cerca de 3 km até a sede, por entre eucaliptos que ladeiam o caminho. Na porteira, um mata-burro curioso, com formato triangular, impede a passagem do gado. Ao chegar, somos recebidos por vários cães, alguns desaparecendo entre a grama alta.
As construções encontram-se em estado de abandono. É triste ver um local de tamanha importância histórica entregue à deterioração, quando poderia ser um ponto turístico de destaque. Caminhei pelos arredores, observando os resquícios de uma estância que um dia foi símbolo de imponência e prosperidade, restando hoje apenas a beleza das árvores antigas que testemunham o tempo passar.
Para que o leitor compreenda a relevância deste lugar, é preciso voltar um pouco na história. Quando cheguei à cidade, recebi de presente um livro do escritor local Algemiro Rocha, intitulado Contos e Histórias do Município. Nele encontrei referências a Batista Luzardo, personagem que já havia me despertado interesse por sua participação na Revolução de 1923. Inclusive, no centenário desse movimento, em 2023, preparei uma palestra sobre o tema, que também foi tema dos Festejos Farroupilhas daquele ano, promovidos pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).
Batista Luzardo foi um dos principais opositores políticos de Flores da Cunha, tendo atuado na Revolução de 1923 como chefe do Estado-Maior Maragato de Honório Lemes. Era inimigo de Getúlio Vargas, então deputado estadual e comandante do 7º Corpo Provisório da Brigada Militar, subordinado a Flores da Cunha, intendente de Uruguaiana.
Após a revolução, Luzardo apoiou a Coluna Prestes e chegou a ser deputado estadual. Com o tempo, reaproximou-se de Getúlio Vargas, tornando-se seu amigo pessoal. Getúlio chegou a se hospedar diversas vezes na Estância São Pedro, que se tornou um cenário importante para a política nacional.
As fotografias antigas disponíveis na internet revelam o esplendor dessa estância — outrora luxuosa, hoje em ruínas. Havia jaulas para leões, criados por Luzardo, e amplos galpões hoje tomados pelo tempo. Um relógio de jardim e o famoso Castelinho, onde Getúlio Vargas se hospedou em 1950, ainda resistem como testemunhas silenciosas da história.
Em conversa com o Dr. Iberé Atayde Teixeira, já em São Borja, ele me relatou que teve a honra de apertar a mão de Luzardo, já idoso, em sua estância. Contou que Luzardo foi revolucionário desde 1923 e ajudou Getúlio a chegar ao Catete. Mais tarde, Vargas o nomeou embaixador do Brasil na Argentina.
Foi Luzardo quem questionou a construção da Ponte Internacional de Uruguaiana, defendendo que ela deveria ter sido erguida em São Borja. Quando Getúlio foi questionado sobre isso, respondeu:
“Sou Presidente do Brasil, não Presidente de São Borja.”
Na inauguração da ponte, Getúlio estava em São Borja, em sua estância do Itú. Já havia eleito o General Dutra como seu sucessor, e foi Dutra quem inaugurou a ponte.
Segundo o relato, Luzardo mantinha leões na propriedade, e suas jaulas ainda existiam quando o Dr. Iberé o visitou. Na entrada, havia uma estátua do cavalo Congréve, companheiro fiel de Luzardo. Foi nessa mesma estância que Getúlio e Luzardo ouviram juntos, pelo rádio, a apuração da eleição de 1950 — há inclusive uma fotografia desse momento histórico.
O Dr. Iberé recorda com emoção:
“Que saudades desse lugar. Estive lá em 1979. Luzardo faleceu três anos depois, mas lembro bem do seu aperto de mão — firme e vigoroso. Chamavam-no de O Último Caudilho. Um de seus filhos, de temperamento difícil, era apelidado de penúltimo caudilho (risos).”
Com o tempo, parte das terras foi arrendada, e o inventário da propriedade ainda tramita em segredo de Justiça.

Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.
















