Por: Isaac Carmo Cardozo – Colunista
Alguns dias atrás ouvi de uma artista renomada do meio gaúcho a seguinte afirmação: “a nossa tradição é uma invenção e precisa ser reinventada.”
Confesso que me causou estranheza escutar isso de alguém que justamente vive e tira seu sustento dessa mesma tradição.
O termo reinventar significa criar novamente, transformar algo já existente em algo completamente novo. Porém, quando falamos em tradição cultural, não se trata de invenção momentânea, mas de um legado coletivo transmitido de geração em geração. A tradição é formada por práticas, valores, costumes, música, dança, indumentária, lendas e modos de viver que constroem a identidade e a memória de um povo.
A tradição gaúcha é uma das mais ricas expressões culturais do Brasil. Ela nasceu do encontro de povos, miscigenação de costumes e do esforço dos homens e mulheres que, a cavalo e a ponta de lança, desbravaram o Rio Grande. Cada hábito, cada costume e cada jeito de viver foi passado de pais para filhos, alicerçando a figura do gaúcho e mantendo vivo um patrimônio imaterial de enorme valor.
Por isso, dizer que a tradição deve ser “reinventada” é um equívoco. Naturalmente, ela evolui com o tempo: acompanhamos os avanços tecnológicos, a abertura de novos espaços, a inclusão de pessoas que antes estavam à margem. Mas evolução é diferente de negação. O que não podemos fazer é descaracterizar ou apagar o que foi construído com suor, amor ao campo e respeito às origens.
Chama ainda mais atenção o fato de que essa crítica venha acompanhada de exemplos que não são, de fato, tradição. Como a própria artista mencionou, seu figurino foi criado a partir de seu gosto pessoal — não de uma indumentária herdada do passado. Tomemos como exemplo Berenice Azambuja, que sempre se apresentou de chiripá. Contudo, o chiripá não é traje feminino, mas sim indumentária do peão.
Uma prenda usar chiripá equivale a um homem usar vestido de prenda: algo sem cabimento dentro da lógica cultural do tradicionalismo.
Portanto, não se trata de reinventar a tradição, mas de respeitá-la e compreendê-la. A cultura pode se adaptar aos tempos modernos, sim, mas sem perder sua essência. Reinventar, neste caso, não é preservar — é descaracterizar.
Na foto meus bisavós maternos, Francelizio Alves Dos Santos e Rosalina Ferreira dos Santo, com minha avó Nelcy dos Santos Carmo
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.