Em uma de nossas muitas conversas, Vantuir Cáceres relatou um fato que aguçou minha curiosidade. Ele contou que, quando era locutor de um programa matinal na Fronteira FM, dividia os corredores com o radialista Sidney Siqueira, que apresentava seu programa na Rádio Cultura AM.
Certa vez, ao cruzar com Sidney no corredor, Cáceres comentou que gostaria de entrevistá-lo. Num primeiro momento, Sidney mostrou-se um pouco receoso e na defensiva, mas acabou aceitando o convite. Na entrevista, Cáceres queria conhecer melhor aquele renomado radialista. Sidney revelou que, antes de ingressar no rádio, havia sido sapateiro e que fora incentivado por Mário Aquino — amigo com quem jogava bola — a iniciar na comunicação, primeiro produzindo vinhetas, até conquistar seu próprio programa.
Mas o que mais me chamou a atenção no relato de Cáceres foi outro episódio: o casamento de Sidney Siqueira, um acontecimento que marcou a história de São Borja na década de 1970.
Sidney contou que, certa vez, ao sair da rádio após seu programa, encontrou, na esquina da Praça 15 de Novembro, um jovem bem pilchado carregando uma caixa de discos. A cena lhe chamou a atenção. Ao conversar com o rapaz, soube que ele estava em São Borja tentando a vida como cantor e vendendo discos, no início de sua trajetória na música nativista. Esse jovem era José Mendes, que viria a se tornar um dos grandes nomes do regionalismo gaúcho, contribuindo enormemente para a cultura sul-rio-grandense.
Sidney convidou José Mendes para participar do seu programa, tocando seus discos e divulgando seu trabalho. Dali nasceu uma grande amizade. Segundo Tertuliano Borges, no início de sua carreira José Mendes chegou a se hospedar em quartos oferecidos por Dona Moza, mãe de Sidney Siqueira, na esquina das ruas General Osório com Bento Martins.
Essa amizade se fortaleceu ainda mais: quando Sidney realizou seu casamento, convidou José Mendes para ser padrinho. O evento foi um marco em São Borja, pois noivos e convidados estavam pilchados. A noiva chegou em uma charrete, e uma multidão reuniu-se em frente à igreja para ver não apenas os noivos, mas também José Mendes e outros nomes do regionalismo, como Berenice Azambuja, Ivan Trilha e tantos outros que compareceram à cerimônia.
Sidney Siqueira amava a tradição e a cultura. Seu filho, Tadany, me relatou que seu pai era um apaixonado pela cultura gaúcha e lembra com carinho dos momentos em que a casa estava sempre cheia de músicos, artistas e convidados. Sidney era um ótimo contador de histórias.
Já sua filha Taiara relatou, com muito carinho e saudade do pai, um fato que guarda no coração. Ela lembrou que, quando ela e o irmão tinham 11 e 12 anos, costumavam jogar baralho na sala de casa. Em uma dessas partidas, percebeu que o irmão havia trapaceado no jogo. Imediatamente, levantou-se e deu um tapa no rosto dele.
Nesse momento, Sidney Siqueira entrou na sala. Para surpresa dos dois, ele não brigou; primeiro colocou os irmãos abraçados, de joelhos, enquanto ambos já choravam. Em seguida, falou e ensinou como deveriam agir como irmãos.
Taiara recorda claramente as palavras do pai:
“Vocês serão eternamente irmãos. Aqui, o pai e a mãe não são eternos, mas os irmãos precisam ser a força um do outro.”
Esse momento, carregado de emoção, demonstra o quanto Sidney Siqueira era uma pessoa querida e amada.
Embora eu não seja da sua época, tive a oportunidade de ouvir alguns de seus programas. Guardo na memória aquela voz firme e marcante, que dominava o microfone e representava, como poucos, o nosso Rio Grande do Sul.
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.