Por: Isaac Carmo Cardozo – Colunista
Em tempos de conflito de interesses na concessão de títulos honoríficos em São Borja — como o de Cidadão Ilustre ou o de Cidadão Samborjense — ainda vemos o velho antagonismo político se sobrepor ao reconhecimento da verdadeira relevância de quem ajudou a construir a história da cidade. A análise de currículos e feitos cede lugar à conveniência e às alianças momentâneas.
Em apenas uma semana, testemunhamos a outorga do título de Cidadão Ilustre ao governador do Estado, Eduardo Leite, enquanto, em contrapartida, o título de Cidadão Samborjense foi negado ao ex-prefeito Mariovane Weis. Se puxarmos pela memória, veremos que essa prática não é novidade: os embates de interesse e ideologia vêm marcando a trajetória da Câmara de Vereadores há décadas.
Exemplo disso é a injustiça cometida contra Moarcí Matheus Sempé, escritor, pesquisador e historiador que dedicou sua vida a São Borja. Autor da obra “São Francisco de Borja – o Primeiro dos Sete Povos”, uma das mais importantes sobre o povoado que deu origem à cidade, Sempé amou e promoveu São Borja como poucos. Foi presidente do Clube Recreativo e militar do Exército Brasileiro, no Regimento João Manoel, mas teve negado o título de Cidadão Ilustre — não por falta de mérito, e sim por razões puramente políticas. Amigos próximos relatam que levou consigo, até o fim da vida, a mágoa de nunca ter sido reconhecido oficialmente pela cidade que tanto defendeu.
Outra injustiça foi a negativa do título a Telmo de Lima Freitas, um dos maiores cancioneiros do Rio Grande do Sul, filho de São Borja e divulgador incansável de nossa cultura e tradição. Suas composições atravessaram fronteiras, levaram o nome da cidade aos quatro cantos do Estado e influenciaram gerações de músicos. Mesmo assim, Telmo também teve o reconhecimento negado por decisões políticas da Câmara de Vereadores.
Essas contradições se repetem ao longo do tempo, criando heróis e vilões conforme o vento partidário sopra. Não se trata aqui de defender partido A ou B, mas de resgatar a verdade e valorizar quem realmente contribuiu para o legado de São Borja.
A história de São Borja, portanto, segue escrevendo suas injustiças. Ainda assim, o tempo é capaz de corrigir algumas delas. Hoje, Moarcí Sempé dá nome a uma rua, e Telmo de Lima Freitas é homenageado na entrada da cidade, com uma estátua — suas canções ecoando pelo Rio Grande afora. Que isso sirva de lição aos nossos representantes: reconhecer a importância de quem elevou o nome de São Borja não deve depender de ideologia, mas de mérito, legado e amor pela terra.
O verdadeiro título de Cidadão Ilustre é aquele concedido pelo povo e pela história — e esses, felizmente, não podem ser cassados por voto político algum.
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.