Por: Isaac do Carmo Cardozo – Colunista
Minha visita às trincheiras de “Pai Passo” foi regada de muita curiosidade.

Sempre que sou destacado para missões fora do meu município, nas quais preciso permanecer um tempo longe da minha terra natal, procuro aprender sobre o local e estudar sua história — especialmente buscando possíveis ligações com São Borja.
Fiquei impressionado ao descobrir (eu não sabia) que o então Tenente Osório — hoje General Osório, patrono da arma de cavalaria do nosso glorioso Exército Brasileiro — havia sido destacado para a região da Barra do Quaraí. Segundo relatos, sua transferência para essa tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Uruguai teria ocorrido porque ele se envolveu com a filha de um grande fazendeiro, que, por ter amizade com o comandante das Armas da Província, era contrário ao relacionamento, deu um jeitinho para que Osório ficasse longe de sua amada, conforme destacado no livro biográfico de Osório.
Durante os dias frios de maio de 2024, em mais uma Operação Hórus de combate aos crimes fronteiriços — enquanto o gado andava encolherado — encontramos Dona Gringa, moradora da localidade de Pai Passo. Ela estava rodeada por três de seus seis filhos, enquanto um capão já abatido pendia à sombra, com os cachorros ao redor, mendigando um pedaço de carne crua, cortada pelo peão que o carneava.
No galpão da frente, uma lareira grande aquecia o ambiente. De relance, ouvia-se vozes vindas da cozinha, onde três mulheres preparavam quitutes para uma festa de aniversário que aconteceria no dia seguinte. Antes de iniciar minha conversa, pedi para usar o banheiro. Curiosamente, ele tinha três portas de acesso: uma pelo quarto, outra pela cozinha e a última pela varanda. Se o aperto fosse grande, certamente não daria tempo de trancar todas as portas… kkkkk.
Fomos recebidos calorosamente por Dona Gringa, guardiã do busto do General Osório e das trincheiras por ele utilizadas para guarnecer nossas fronteiras. Simpática e orgulhosa de sua terra, ela nos conduziu até as trincheiras usadas por Osório na defesa contra os ataques dos índios que Artigas havia liderado nas Missões. Dona Gringa contou que, anualmente, militares acampam em sua propriedade para preservar a história e os feitos do General.
Contemplar o Rio Quaraí e imaginar as travessias, embaladas pelos estampidos das garruchas, nos remete a um passado glorioso, repleto de heroísmo, em que nossos antepassados defenderam bravamente a fronteira.
Osório, ainda que vivendo duras mágoas, cumpriu comissões durante dois anos, a partir de 2 de agosto de 1831, sendo destacado para essa região fronteiriça do rio Quaraí.
Naquela época, a região sofria com uma onda de vandalismo e contrabando, especialmente em Bella Unión, do lado cisplatino. A vila havia se formado com índios trazidos das Missões pelo General Frutuoso Rivera, que frequentemente cruzavam nossas divisas, roubavam gado, matavam, incendiavam propriedades e retornavam impunes à sua localidade de origem — sem que ninguém ousasse detê-los.
Do lado brasileiro — hoje o município emancipado da Barra do Quaraí —, já existia, desde 1814, uma Guarda Portuguesa instalada para garantir a defesa do território conquistado, apesar das frequentes investidas espanholas na área. A Barra do Quaraí foi elevada à categoria de vila em 31 de março de 1938, e desmembrada de Uruguaiana em 28 de dezembro de 1995, pela Lei Estadual nº 10.655/95.
Em 1831, cansados dos maus-tratos desses bandoleiros, os poucos habitantes da região apelaram ao Comandante do Destacamento da Guarda da fronteira. Foram atendidos por Osório, que determinou aos seus comandados a missão de abater ou prender os arruaceiros.
Apesar das reiteradas recomendações do Império quanto ao respeito à soberania vizinha, Osório, resoluto, entendeu ser necessário reprimir com firmeza o vandalismo que imperava na região. Transpondo o rio Quaraí com sua tropa, surpreendeu os assaltantes ainda com os produtos do roubo. Todos foram mortos no local — inclusive mulheres que portavam armas e enfrentaram os soldados.
Como consequência, Osório foi preso em 8 de janeiro de 1832 por sua atitude. Contudo, a opinião pública e o bom conceito de sua conduta estavam a seu favor. Após um ano, foi libertado e nada foi registrado em sua ficha funcional que pudesse manchar o brilho de sua carreira. Comenta-se que esse episódio, fruto de sua coragem e firmeza de caráter, ficou marcado por uma frase sua, emblemática:
“A farda não abafa o cidadão no peito do soldado.”
Osório ainda esteve por nossos lados, em São Borja, deixando marcas e histórias que continuam vivas entre nós.
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.