Uma divergência administrativa entre Brigada Militar e Polícia Civil levou um delegado de Lajeado a determinar a libertação de um homem que tinha contra si mandado judicial de prisão preventiva vigente devido à reincidência no tráfico de drogas.
- O caso inusitado começou com a detenção em flagrante do indivíduo, em Taquari, no Vale do Taquari, em 15 de setembro. Horas depois, o flagrante seria convertido em prisão preventiva pela Justiça.
- O desentendimento entre os agentes de segurança, motivado pela recusa de um policial militar em receber o suspeito na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas, ocorreu no dia seguinte (16).
- Desde então, o homem está foragido.
O boletim de ocorrência narra que ele declarou ser integrante de uma facção, além de ter antecedentes criminais por narcotráfico. O mandado judicial de prisão preventiva segue pendente de cumprimento, conforme consta no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os fatos narrados acima constam em despacho judicial e em duas ocorrências policiais. O delegado que determinou a soltura do homem é Marcelo Hartz, titular da Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA) de Lajeado. Segundo registro do próprio Hartz em ocorrência de fato atípico, quem teria se recusado a receber o preso foi o sargento Jorge Luis Pimentel Filho, da Brigada Militar, apontado como o responsável pela gestão da PEJ naquela ocasião. Ele teria alegado que o detido não passou por audiência de custódia, que consiste na apresentação de pessoa a um juiz para a verificação da regularidade do flagrante e da prisão.
A Brigada Militar, em nota, afirmou que a conduta do sargento seguiu o protocolo estabelecido para o recebimento de detentos na PEJ. A Polícia Civil destacou que o mandado judicial de prisão dispensava “expressamente” a realização da audiência de custódia (leia os contrapontos ao final).
O caso começou quando uma equipe da Brigada Militar fazia patrulha a pé em um bairro de Taquari no dia 15, diz o boletim de ocorrência da prisão em flagrante. Um indivíduo foi avistado ao deixar um imóvel que seria usado por criminosos para a distribuição de drogas, portando um “volume na cintura”. Após a revista, foram encontrados com Bruno de Mello da Rosa 76 porções de cocaína. Ele também carregava pouco menos de R$ 1 mil em dinheiro e um celular.
Preso em flagrante por volta das 17h30min do dia 15, Rosa foi conduzido para a DPPA de Lajeado. O fato foi registrado às 20h44min. O suspeito permaneceu na carceragem da delegacia até que, na manhã de 16 de setembro, a 2ª Vara Judicial de Taquari acatou parecer do Ministério Público e converteu o flagrante em prisão preventiva. O magistrado mencionou a reincidência do homem, apontando a existência de uma condenação com trânsito em julgado por tráfico, e justificou que a medida era necessária para manter a ordem pública. Foi dispensada a realização de audiência de custódia.
Após o despacho judicial, a DPPA de Lajeado solicitou à Polícia Penal a indicação de vaga em casa prisional pelo sistema informatizado. A resposta veio às 14h: o homem deveria ser conduzido à PEJ, estabelecimento sob gestão e guarda da Brigada Militar. Dois policiais civis chegaram à PEJ conduzindo o preso às 16h30min e, conforme os registros oficiais do caso, apresentaram a indicação de vaga da Polícia Penal e o mandado de prisão preventiva.
Contudo, a ocorrência de fato atípico registrada pelo delegado Hartz narra que o sargento Pimentel Filho teria se negado a receber o preso na PEJ. O sargento teria alegado que o suspeito não passara por audiência de custódia. Hartz afirma que “monitorou o impasse” e “realizou inúmeros contatos” com a Polícia Penal e a Brigada Militar. A negativa em receber o preso foi mantida.
“Diante da situação, por volta das 18h, o delegado Marcelo (Hartz) determinou a liberação do preso e o retorno dos policiais civis à base”, diz a comunicação do titular da DPPA de Lajeado.
A ocorrência de fato atípico não diz onde ocorreu a soltura, mas ela teria sido feita na rodoviária de Charqueadas. O juiz Felipe Almeida Sant’Anna, da 2ª Vara Judicial de Taquari, manteve a vigência do mandado de prisão preventiva em 18 de setembro, dois dias após a libertação do suspeito. O magistrado, nessa decisão, rejeitou um pedido da defesa de Rosa de revogação da medida.
“A não realização de audiência de custódia, por si só, não invalida a prisão preventiva decretada com base em elementos concretos, notadamente a reincidência específica do investigado em crime de tráfico de drogas”, despachou Sant’Anna.
O magistrado expediu ofícios para as corregedorias da Polícia Civil e da Polícia Penal requerendo apuração sobre a conduta dos agentes públicos: “A situação irregular ocorrida na condução do flagrante será devidamente apurada pelos órgãos competentes, conforme determinado nesta decisão, sem prejuízo da manutenção da custódia cautelar, que se mostra necessária para a garantia da ordem pública”.
A decisão não menciona nenhum pedido de exame de conduta de servidor público à Corregedoria da Brigada Militar.
O Ministério Público se manifestou em nota, em que afirmou que, no dia 18, após a libertação do suspeito, apresentou novo parecer nos autos do inquérito “reiterando a legalidade e necessidade da prisão preventiva, destacando urgência no cumprimento do mandado.”
Embora permaneça foragido, a Polícia Civil finalizou, no dia 22 de setembro, o inquérito relacionado ao flagrante em Taquari, com o indiciamento de Rosa por tráfico de drogas.
Contrapontos
O que dizem a Brigada Militar e o sargento Jorge Luis Pimentel Filho
A Brigada Militar esclarece que, no dia 16 de setembro de 2025, a Penitenciária Estadual do Jacuí informou formalmente ao Departamento de Segurança Prisional que poderia receber o apenado oriundo de Taquari somente após a realização da audiência de custódia, conforme registrado em mensagem expressa de e-mail. Como o preso não havia sido submetido à audiência de custódia, o ingresso não pôde ser autorizado.
O procedimento de recebimento na unidade segue protocolos definidos entre o Departamento de Segurança Prisional e a Vara de Execuções Criminais, assegurando triagem prévia e o cumprimento dos requisitos legais. As solturas são realizadas exclusivamente mediante decisão judicial, após conferência do setor de Alvarás da Polícia Penal.
O que diz a Polícia Civil, por meio da delegada Shana Luft, titular da Delegacia de Polícia Regional de Lajeado
Sobre as circunstâncias que levaram à liberação do autuado Bruno de Mello da Rosa, informo que os presos das cidades de Taquari e Tabaí, pertencentes à nossa região policial, não são aceitos nos presídios da região do Vale do Taquari devido à competência das VECs (varas de execuções criminais). Diferentemente do que ocorre com os presos das demais cidades do Vale do Taquari, os presos de Taquari e Tabaí somente ingressam nos estabelecimentos penais mediante prévia solicitação e autorização de vaga deferida pela Susepe (Polícia Penal). Enquanto não há autorização de vaga expedida pela Susepe, os presos permanecem sob custódia da DPPA de Lajeado. O preso permaneceu na DPPA entre 21hs do dia 15/09 até às 15hs do dia 16/09, horário em que sobreveio o comunicado de vaga na PEJ. Ao chegar no presídio indicado pela Susepe, houve a recusa no recebimento do preso sob o argumento de que não havia sido realizada audiência de custódia, embora no mandado de prisão constasse expressamente a dispensa de sua realização.
Após 1h30min sem a resolução do problema, havendo a necessidade de retorno dos policiais para a DPPA, que estava com um movimento intenso (considerando o deslocamento, a equipe ficou afastada mais de 5hs da sede policial), sendo que nesse intervalo ingressaram mais dois presos em flagrante (um deles novamente de Taquari, aguardando a definição de uma vaga prisional), visando prestar melhor atendimento ao público e considerando a necessidade de preservação dos direitos do preso, optou-se pela sua liberação.
A DPPA de Lajeado funciona em estrutura adaptada em outra DP da cidade, uma vez que o prédio onde funcionava foi fortemente atingido pela enchente de maio de 2024, sendo necessária a troca de local de atendimento. Na sede provisória, há apenas uma cela para todos os presos aguardarem o encaminhamento adequado após a decretação da prisão. Em breve, inauguraremos o novo local de funcionamento desta delegacia.
O que diz o delegado Marcelo Hartz
Contatado pela reportagem, disse que não se manifestaria sobre o caso.
O que diz Bruno de Mello da Rosa
O advogado Diego Lopes dos Santos afirmou que “a defesa não irá se manifestar”.
Fonte: GZH