Por: Isaac Carmo Cardozo – Colunista
Tive o prazer de conhecer as ruínas do que restou do Saladeiro da Barra do Quaraí. Para quem nunca ouviu falar, esse tipo de comércio também existiu em São Borja, Itaqui, Uruguaiana e na própria Quaraí. Era um tempo em que o charque circulava por entre fronteiras — brasileiros, argentinos, uruguaios e ingleses se envolviam nesse mercado, impulsionado pela imensa criação de gado na região.
Segundo o professor Algemiro Rocha, esse foi o primeiro saladeiro da fronteira, datando de 1887. Mas ali não se fazia só charque: produziam-se conservas, queijos, massas, velas, sabão… Carneavam mais de 600 animais por dia. Aproveitava-se tudo — perdia-se apenas o berro.
Tive a sorte de conversar com João Albino da Rosa, mais conhecido como Gripe, historiador barrense. Em uma dessas manhãs geladas de maio de 2024, ele desenhou no verso de um pacote de cigarro a planta do que um dia foi o complexo do saladeiro. Era tudo muito bem organizado: fábrica de sabão, velas, curtume, queijaria, estação, casarão e a famosa Pagadora.
A Pagadora, prédio onde se pagavam os operários e funcionava o escritório central, ainda estava de pé quando visitei. As paredes, cansadas do tempo, pareciam guardar as vozes de quem passou por ali. As árvores invadiram os alicerces, e suas raízes forçam a estrutura, como quem deseja fazer brotar de novo o que o tempo derrubou. Encontrei uma lareira — antes calor de gente, hoje abrigo de um gato solitário.
A decadência do Saladeiro veio com a lei de desnacionalização do charque, a chegada dos frigoríficos ingleses e, mais tarde, a Primeira Guerra Mundial. Tudo isso minou a economia local, e o empreendimento fechou as portas em 1947.
Fiquei ali, entre as ruínas, imaginando o passado: tropas de gado chegando, peões gritando com a boiada, o movimento do trem que levava a produção até Montevidéu. Cenas vivas, que vagam no meu imaginário como se estivessem esperando ser lembradas.
É triste o fim de um lugar assim. Preservar a memória é um ato de respeito aos que vieram antes. E também um aviso: tudo passa, mas a história insiste em deixar seus vestígios.
Na despedida, escrevi uns versos, como quem tenta guardar o que viu e sentiu:
Ruínas de um Saladeiro
Tropas de gado
Ali pereceu
Transformou-se em charque
Pro prato europeu
Símbolo de riqueza
De uma região
Agora esquecido
Caído no chão
Pobre saladeiro
Agoniza sua história
Pagando o preço
Triste de outrora
Cismas de um tempo
Que não voltam mais
Ficando sua história
De legado aos atuais
chegada.
