Por: Isaac Carmo Cardozo – Colunista
Este texto é parte de uma pesquisa realizado para uma palestra, ministrada no Centro Nativista Boitatá, para o Departamento Cultural, uma oficina de Nó de Lenço Gaúcho. Tenho uma curiosidade referente a este pedaço de pano, que é atado em diversos nós e existem várias cores, me levando a descobrir que para o gaúcho, que tudo que faz tem uma importância e simbologia desde a sua confecção a sua forma de usar, demostrando que a nossa cultura, no uso de nossa indumentária é chia de significados.
O lenço está presente em muitas culturas, e tem sido utilizado de diversas formas na composição das vestimentas, dos comboy americano, charro mexicano e pelos nossos “hermanos uruguaios e argentinos”, mas nenhuma cultura valorizou tanto como o Gaúcho, que desde a forma de usar no pescoço, de sua representatividade através das cores e nós utilizados para atar ao redor do pescoço, a meia espalda, por cima da camisa ou por dentro da gola, atado perto do pescoço ou na altura das maças do peito. Tudo tem um significado.
Precisa-se destacar que a simbologia que norteia o uso do lenço teve por base três grandes guerras civis que assolaram o Rio Grande do Sul:
– Revolução Farroupilha: Uma das mais importantes revoluções que se estabeleceu em nosso estado, teve o lenço vermelho, como um uniforme, para destacar os farroupilhas. Sendo que no ano de 1843, foi mandado ser feito fora do Brasil, um lenço que destacaria as escaramuças, os ideais e o simbolismo desta revolta. A importância desta peça histórica esta que o brasão que presente está no meio do lenço, hoje compõe a nossa bandeira do Rio Grande do Sul;
– Revolução Federalista (1893-1895): Nesta sangrenta guerra, que definiu as cores dos lenços, sendo usado pelos revoltosos maragatos, ligados a Gaspar Silveira Martins a cor de lenço vermelha e aos legalistas de Júlio de Castilhos, a cor branca. Nesta revolução cabe destacar uma curiosidade histórica ao grande herói maragato Honório Lemes, que usava lenço branco, por causa de sua origem partidária no Partido Blanco Uruguai, pois o lenço vermelho era usado pelos seus oposicionistas Colorados no Uruguai É preciso destacar que não existe comprovação histórica de que o nó de lenço maragato, tenha saido deste contexto, pois embora maragato e não usando lenço vermelho, teria o nó como simbolismo;
– Revolução de 1923 (1923): Nesta última revolução interna e a mais branda de todas se comprada com as demais, as ideologias partidárias voltam, com ares de vingança por partes de figuras que combateram na revolução Federalista, empunhando mais uma vez o lenço vermelho. Os Maragatos, agora tendo o comando de Assis Brasil e os Chimangos ( A Brigada Militar, na época, possuía um fardamento da cor de uma ave de rapina que habita o pampa gaúcho, conhecido por Chimango) liderados por Borges de Medeiros.
A representação das cores, vem concomitantemente com a evolução política, vejamos:
Verde: Atribuído aos conservadores, legalistas, positivistas, caramurus, periquito, pica-pau;
Branco: Conservador, legalista e chimango;
Vermelho: Liberal, federalista, republicano, rebelde, farrapo, marimbondo, maragato;
Amarelo: Moderado, mediador;
Preto: Luto;
Carijó: Apolítico, pacificador, tubiano.
Quanto a formas de uso do lenço, conforme Paixão Cortês (1978) existem várias, sendo que uma formas bem comuns eram:
– Corsária, com o lenço atado a cabeça para se proteger do sol, que segundo relatos Giuseppe Garibaldi, usava durante a revolução Farroupilha, uma vez que a utilização de chapéu nos ventos marítimos era incomodo e sendo que nem todos tinham chapéu.
– Lenço a meia espalda É a forma de dispor o lenço por baixo do braço esquerdo, por cima do ombro direito, tal qual o pala. Uma curiosidade é que, pelo fato do gaúcho andar sempre armado, tando de faca, espada ou arma de fogo, o lenço tinha que deixar o lado direito, para há eventual utilização das “ferramentas”. Neste caso o nó ficaria para o lado esquerdo, e utilizaria um nó simples para não desatar facilmente;
– Ao redor do pescoço, tem duas variações, sendo a moda antiga, quando o lenço é dobrado uma vez, formando um triângulo, com o nó na altura da maçã do peito, ou ainda semiaberto e um pouco enrolado no comprimento maior não chegando demais à caída aos ombros. Esta forma de uso está atrelado ao gaúcho peleador, pois se por um acaso o oponente quisesse pegar e puxar pelo lenço, seria facial tirar o lenço pela mão, em uma peleia de faca. E no modo atual, aquele nó próximo ao pescoço, mais requintado, segundo o historiador Paixão Cortês (1978) depois da popularização do revólver, o nó do lenço longe dos pescoço perde sua funcionalidade.
Referente aos nós de lenço, podemos destacar estes a seguir:
– Nó simples: Este é o mais usual, definido as vezes como nó campeiro, nó do tropeiro, nó de correr ou ainda no campo político chamado de nó chimango, quando feito em lenço branco. Sua utilização é encontrada longe e perto do pescoço de acordo com os usos sociais de cada época e gosto pessoal. É fácil de fazer e desfazer. Aplicado em qualquer cor ou padrão de lenço. Cabe destacar que também é chamado de nó Getulista
Imagem: Acervo do autor
– Nó Ginete: Seria um nó simples incompleto, com uma característica que lhe é peculiar: atado de forma que um do lados lembre um “meio tope”. Esse nó se faz mais justo ao pescoço, sem maior preocupação com a simetria das suas pontas.
Alguns chamam de nó de ginete, ou ainda nó pachola. E pode ser feito para qualquer lado. Aplicando-se em qualquer cor de lenço.
Imagem: Arquivo do autor.
– Nó maragato: Teve a popularidade na Revolução Federalista, com a cor encarnada do vermelho dos Maragatos, este nó é feito de quatro gomos, que entrelaçados formam um quadrado, com as duas pontas caindo para baixo. Também é conhecido como nó rapadura, sugerindo que seu aspecto lembra as antigas embalagens de rapadura feitas de palha de milho.


– Nó namorado/Apaixonado: Tem por característica ficar longe do pescoço, no meio do peito, é feito um nó em cada ponda do lenço que unido formam o nó namorado. É aplicado em qualquer cor ou padrão de lenço.


– Tope republicano: Conhecido também por Nó Farroupilha. Tem feitio engenhoso, lembrando um crucifixo, sendo feito em lenço encarnado (representativo da república), cujo dono o conservava atado por muito tempo, talvez pela dificuldade de fazê-lo, nota-se então, que se o gaúcho o deixava pronto para uso posterior, a altura do nó não tem justa função apertado ao pescoço, caso contrário precisar-se-ia desfazê-lo para desvestir o lenço. Exige mais pano que um nó simples, então, não se aplica em lenço pequeno.
Outra característica é de que esse tope era feito com o lenço aberto, – dobrado em triângulo -, deixando duas das pontas deitadas às costas o que sugere que a cor rubra pudesse ser vista pendente às costas. Diziam que por ser difícil de fazer e desfazer o tope, já que cada puxada torna-o mais apertado e forte, talvez identificasse o peso do ideal republicano rio-grandense.

– Nó namorado/Apaixonado: Tem por característica ficar longe do pescoço, no meio do peito, é feito um nó em cada ponda do lenço que unido formam o nó namorado. É aplicado em qualquer cor ou padrão de lenço.

Os lenços e suas raridades
Objeto de colecionadores e apreciadores de lenços antigos, estes “pedaços de panos” tem sido um caça tesouros, muito pela raridade e exclusividade dos lenços, se destacando duas indústrias que fizeram história na confecção:
– Tecelagem Nossa Senhora de Pompeia fundada por Giuseppe Panceri, em fins do séc. XIX, que depois veio a se chamar Tecelagem Panceri;
– Fábrica de Colchas Tecidos e Artefatos de Seda Scavino Bertuzzi e Cia., ambas, de Caxias do Sul RS.
Existem outras fábricas mas não com a característica e qualidade em seus artigos, principalmente pelos fios utilizados em suas tessituras.
O Movimento Tradicionalista Gaúcho ( MTG), tem procurado zelar pelos usos e costumes que criaram a figura do gaúcho, tendo em seu estatuto as definições das cores: vermelho, branco, azul, verde (vedado o verde-limão) amarelo e o carijos ( nas cores citadas e ainda marrom com cinca); Sendo que deve ser usado no pescoço por dentro ou sobreposto ao colarinho, aberto sobre os ombros com uma das pontas caídas as costas; Quanto ao tamanho quando usado com algum tipo de nó, com a medida de 25cm a partir deste. Com uso de passador de lenço, com medida de 30cm a partir deste. Cabe destacar que os passadores são de metal, couro ou osso.
O lenço gaúcho, tão apreciado nos bailes, na lida de campo e no seu uso diário é cheio de significados e sua importância fica comprovado com este texto. Este assunto não se esgota, pois existem muitos tipos de nó, que precisariam ser apresentados para que não se caiam no esquecimento, pois aquilo que soubemos é fruto da continuidade de nossa cultura em seu uso na forma coletiva.
Autor: Isaac Carmo Cardozo
É 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas; Especialista em Gestão Pública pela UFSM e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa.