Na recepção do Instituto Espírita Dias da Cruz, em Porto Alegre, o estudante de Contabilidade Átila Mansur, 22 anos, recebe aqueles que buscam conforto espiritual no tradicional centro religioso da esquina das avenidas da Azenha e Ipiranga, onde também funciona um albergue. O trabalho parece simples, mas exige comprometimento.
— As pessoas chegam com as suas demandas e precisamos acolhê-las da melhor forma. Envolve amor, empatia, serenidade. Cada pessoa que entra pela porta é um filho de Deus — explica o jovem.
Após a acolhida, Átila apresenta uma palestra aos visitantes, na qual aborda os princípios da doutrina espírita. O momento de reflexão é seguido por uma sessão de preces e irradiações, práticas que envolvem oração e envio de boas energias a pessoas que estão longe.
Desafios da juventude
O momento se repete todas as noites de terça e sexta-feira, dias que o jovem dedica ao voluntariado no departamento espiritual do centro espírita. Nas noites de quarta-feira, ele ainda participa de um grupo de estudos sobre a doutrina. Já nas manhãs e nas tardes de sábado, colabora com as atividades de evangelização da juventude, com palestras e dinâmicas que buscam aproximar outros jovens do espiritismo.
Os compromissos são conciliados com a faculdade e o trabalho. Encontrar tempo para tudo é um desafio, diz o jovem, mas abrir mão das vivências da religião não está nos planos.
— Sinto que a doutrina espírita me deixa mais confortável para viver tudo isso. A juventude é uma fase que tem transições difíceis, você passa a depender menos dos pais, precisa se virar mais sozinho. Aí tem trabalho, estudos, lazer, amigos, família, todas as coisas para equilibrar. Estar em contato com a doutrina me ajuda a lidar melhor com os desafios dessa etapa — reflete.
Respostas do espiritismo
Natural de Feira de Santana, na Bahia, Átila ingressou na religião ainda na infância, por influência dos pais. Entretanto, o grande envolvimento do jovem com a doutrina espírita veio somente na pré-adolescência, época em que ele e a família moravam em Vitória, no Espírito Santo.
Átila conta que quando todos se mudaram para Porto Alegre, em 2019, já havia estreitado seus laços com o espiritismo, que passou a fazer parte de quem ele é.
— Nem sempre a religião dos pais é seguida pelos filhos — observa o jovem. — O que me motivou a continuar foi a luz que se abriu no meu caminho para entender as vivências, as experiências, as coisas boas e não tão boas da minha vida pessoal.
O espiritismo nos dá muitas respostas. Nem todas são fáceis de entender ou de aceitar, mas todas são importantes.
ÁTILA MANSUR, 22 ANOS
Estudante de Contabilidade
Sinais mediúnicos
O caminho até a religião foi parecido para Eduarda Seger, 23 anos, moradora de Estância Velha. A jovem ingressou no espiritismo aos cinco anos de idade e relata ter crescido em meio às atividades do Grupo Espírita Francisco Xavier, outro tradicional centro da Capital.
O local foi buscado por sua mãe, que desejava entender os sinais mediúnicos que vinham sendo dados pela irmã de Eduarda. A família inteira passou a frequentar o centro espírita.
— Foi onde conseguimos encontrar um caminho e um entendimento para o que estava acontecendo na nossa vida e equilibrarmos essa questão mediúnica, que na verdade todos nós carregamos — diz ela.

Hoje, a jovem contribui com os atendimentos espirituais oferecidos pelo centro — desobsessão, passes, irradiações e pronto-socorro espiritual, entre outros. Eduarda também atua como voluntária na comunicação da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (Fergs).
A moradora de Estância Velha ainda trabalha como designer de produto em uma empresa de Eldorado do Sul e cursa, em São Leopoldo, a graduação em Comunicação Digital, já na etapa do TCC. Na agenda também entram momentos de cuidado com a saúde (o que inclui academia, pilates e terapia) e a paixão pela música, com aulas de técnica vocal.
A doutrina espírita é o meu ponto de calma no meio de toda essa agitação.
EDUARDA SEGER, 23 ANOS
Designer de produto e estudante de Comunicação Digital
Perda de fiéis
Eduarda e Átila fazem parte de um dos grupos religiosos mais tradicionais do país, mas que perdeu fiéis na última década. O espiritismo abrangia 2,2% da população brasileira em 2010, passando para 1,8% em 2022, segundo o Censo do IBGE.
Entre pessoas de 15 a 29 anos — intervalo que o Estatuto da Juventude classifica como jovem —, a queda foi de 1,6% para 1,2%. No Rio Grande do Sul, a diminuição foi de 2,7% para 2%, superando a média nacional desta faixa etária.
Redes de juventude espírita
Para Átila, o cenário reflete a própria característica do espiritismo, religião que tem nos mais velhos grande parte de seus praticantes. Contudo, afirma que existem redes de juventude espírita ativas em todo o país e que os princípios da religião têm muito a ver com a maneira como os jovens enxergam o mundo.
— A doutrina espírita não proíbe ninguém de nada, tampouco obriga a seguir dogmas absolutos. Ela traz uma ideia de consciência, não de imposição — explica Átila. — O espiritismo não promete salvar ninguém, é uma ferramenta para que cada um encontre a própria salvação. Essa liberdade é algo que me encanta. Nada é imposto, nada é colocado como obrigação, e eu acho que isso tem muito a ver com a juventude — acrescenta.
Átila acredita que a maior porta de entrada na religião ainda é a influência familiar, mas observa uma crescente de jovens que procuram o espiritismo após passarem por outros credos e não encontrarem o acolhimento almejado.
— Não estou falando que a religião é melhor que as demais, mas esse princípio do não julgamento pode ser mais acolhedor para algumas pessoas — pondera. — O jovem é muito julgado por ir a festas, beber, fazer sexo, mas não compete a ninguém apontar dedos. Cada pessoa tem a sua consciência, a sua vivência e o seu processo de evolução.
Comunicação com espíritos

Eduarda acrescenta que alguns aprendizados surgem com o tempo. Para ela, determinados comportamentos nunca fizeram sentido, mas o processo não será igual para todos os jovens.
A estudante analisa que a doutrina serve como uma bússola: aponta o melhor caminho a ser seguido, mas não infringe o livre arbítrio de cada um, tampouco penaliza.
— Crescer dentro de uma casa espírita fez com que eu tivesse uma consciência muito grande de quem sou e para onde quero ir. Na adolescência, sentia que nunca me encaixava totalmente nos hábitos que eram comuns, como os excessos que para muitas pessoas fazem parte dessa fase da vida — conta a jovem, dizendo que nem por isso deixa de se divertir.
Segundo Eduarda, o espiritismo acredita na comunicação com espíritos desencarnados e na noção de que nunca se está sozinho. A crença é um parâmetro que ajuda a medir os comportamentos que convém ou não se ter.
— As nossas atitudes determinam as companhias espirituais que atraímos. Quando cometemos excessos, seja com bebida, seja com drogas, há uma atração de espíritos que estão associados a isso. Geralmente são espíritos não evoluídos, que podem causar um desequilíbrio em nós — explica.
Enfrentando o preconceito
A jovem observa que o aspecto “sobrenatural” da religião, ao passo que desperta a curiosidade de muitas pessoas, também é motivo de preconceito. Eduarda lembra que já sentiu receio de falar que era ligada ao espiritismo.
— Há quem enxergue a religião de forma distorcida, como se fosse “coisa do diabo”, sendo que a gente trabalha pela consolação, pelo amor, pelo conforto íntimo. Hoje, esse cenário está bem melhor, mas às vezes acontecem alguns julgamentos sutis. As pessoas acham que a gente não percebe, mas a gente percebe — diz Eduarda.
Já Átila diz nunca ter enfrentado uma situação de preconceito explícito, mas que já foi apontado como “careta” por não beber ou recusar determinadas atitudes. Contudo, o jovem relata encarar o julgamento com tranquilidade.
Como homem negro e baiano, ele entende que a doutrina espírita traz calma e discernimento para que consiga lidar melhor também com o preconceito racial e a xenofobia — o que é diferente de tolerá-los, como frisa o jovem:
— Não é porque somos espíritas e acreditamos na evolução através das encarnações que temos que cruzar os braços e deixar tudo como está. Como uma pessoa que está inserida na sociedade, eu tenho que trabalhar para combater esses problemas. Porém, a doutrina faz com que eu não me torne uma pessoa revoltada.
Para Átila, a questão primordial da religião está em sempre buscar melhorar como pessoa e como espírito.
— Devemos ser espíritas em casa, no trabalho, na faculdade, com os nossos amigos. Ser espírita não é ficar falando da doutrina, é viver de acordo com ela. Tentar amar um pouco mais, tentar entender o outro um pouco mais e ser alguém melhor a cada dia.
Fonte: GZH