Ao longo da terça-feira (28), parte do Rio de Janeiro se transformou em um cenário de guerra diante de uma megaoperação policial contra o crime organizado e da resposta dos criminosos. Ruas foram bloqueadas, serviços interrompidos e mais de 60 pessoas morreram, entre elas quatro policiais. Essa foi considerada a ação mais letal da história do Estado.
Cerca de 2.500 agentes das polícias Civil e Militar do RJ saíram, ainda no fim da madrugada, para cumprir 100 mandados de prisão e 150 de busca e apreensão. Na chegada das equipes, os criminosos reagiram com tiros e barricadas incendiadas. Até o final da tarde, 81 pessoas tinham sido presas.
Entre os presos está Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo, um dos chefes da facção na região. Outro é Nicolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro de um dos altos chefes do Comando Vermelho, Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, que também é um dos alvos da operação. Uma recompensa de R$ 100 mil foi ofertada em troca de informações sobre o seu paradeiro.
A operação ocorreu nos complexos do Alemão e da Penha, um conjunto de 26 comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro, e onde, segundo as investigações, se refugiam chefes do CV do RJ e de outros estados. Cerca de 280 mil pessoas vivem nas áreas afetadas pela ação.
Os policiais apreenderam 75 fuzis, duas pistolas e nove motos, além de uma quantidade de drogas ainda não contabilizada.

Caos no Grande Rio
Diante da operação policial, no início da tarde, os criminosos organizaram represálias em várias partes da cidade. Importantes vias do Rio de Janeiro e de São Gonçalo foram bloqueadas com veículos e entulhos, como a Avenida 20 de Janeiro, que dá acesso ao Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, o Galeão.
Diante dos diversos bloqueios, o Centro de Operações e Resiliência (COR) do Rio colocou a cidade em “Estágio 2” de atenção, entre cinco níveis de alerta. Com isso, as atividades administrativas da Polícia Militar foram suspensas e todo o efetivo foi colocado para atuar nas ruas.
Em frente a um dos hospitais da capital fluminense, presidentes das associações de moradores da região pediam por ajuda para descer feridos e mortos do morro. Eles também estavam no local para ajudar parentes que aguardam para fazer o reconhecimento de corpos.
— Há corpos espalhados pelas ruas. Acredito que, nas próximas horas, cheguem aqui ao hospital mais uns 15 mortos. Estão lá em cima, mas a polícia não está deixando ninguém subir. Precisamos que alguém fale com a Secretaria de Segurança Pública, as famílias só querem ter certeza sobre as perdas — disse um dos agentes comunitários em entrevista ao jornal O Globo.
O cenário caótico levou diversas empresas a encerrarem as atividades antes do horário regular e liberarem os funcionários para que retornassem para casa por volta das 15h30min. Mas, diante da tomada de ônibus pela organização criminosa, para usar os veículos como barricadas, ao menos 12 linhas tiveram seus itinerários alterados.
Durante uma coletiva no final da tarde, o prefeito Eduardo Paes afirmou que o principal problema da cidade no momento era o temor das empresas de ônibus em colocar a frota na rua. O receio era de que os veículos fossem depredados ou incendiados.
Ao menos 49 escolas públicas não abriram nesta terça-feira. Diversas universidades cancelaram as aulas, estabelecimentos comerciais fecharam as portas, e ruas populares pelo alto movimento ficaram vazias.
O que diz o governo do RJ
Durante entrevista coletiva, o governador Cláudio Castro afirmou que o governo federal negou ajuda para operações policiais no RJ e que o Estado “estava sozinho” na ação. Castro relatou que os pedidos de empréstimo de blindados das Forças Armadas foram negados.
Veículos das Forças Armadas só podem ser utilizados em ações de segurança pública quando há uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A medida só pode ser decretada pelo presidente da República em casos em que as forças policiais estaduais se esgotam e há a necessidade da atuação militar para restabelecer a ordem e proteger pessoas e patrimônios.
Por isso, segundo o governador, “não foram pedidas forças federais desta vez”. Castro negou que a cobrança tenha relação com briga política. Ele também disse que toda a operação cumpriu as determinações da ADPF 635, norma imposta pelo Supremo Tribunal Federal que define regras para as ações em comunidades, e destacou que o Ministério Público acompanhou o avanço das tropas.

Pablo PORCIUNCULA / AFP
Ainda pela manhã, o secretário de Segurança Pública do RJ, Victor Santos, afirmou que o estado não tem condições de enfrentar sozinho o crime organizado e cobrou apoio mais efetivo do governo federal e de outras esferas de poder.
— Estamos falando de 9 milhões de metros quadrados de desordem urbana, com becos intransitáveis, casas irregulares e criminosos que dominam o território. É impossível enfrentar isso apenas com o efetivo do estado — disse em entrevista à TV Globo.
O que diz o governo federal
Diante das falas do governador e do cenário na capital fluminense, o Ministério da Justiça reagiu divulgando uma nota elencando as ações de apoio ao Estado na área da Segurança Pública. A cúpula do ministério disse que Castro não chegou a solicitar ajuda da pasta na operação desta terça-feira.
“O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem atendido, prontamente, a todos os pedidos do Governo do Estado do Rio de Janeiro para o emprego da Força Nacional no Estado, em apoio aos órgãos de segurança pública federal e estadual. Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da FNSP no território fluminense. Todas acatadas”, dia a nota o Ministério da Justiça.
Após divulgação da nota, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a segurança pública nos Estados é responsabilidade dos governadores e que o combate à criminalidade “se faz com planejamento, inteligência e coordenação”.
— Agora, a responsabilidade é, sim, exclusivamente dos governadores no que diz respeito à segurança pública nos respectivos Estados. Nós propusemos ao Congresso Nacional uma PEC da Segurança Pública, que visa exatamente à coordenação das forças federais com as estaduais e municipais, o compartilhamento de inteligência, ações coordenadas, planejadas antecipadamente. É disso que estamos precisando — declarou Lewandowski, durante visita ao Ceará.
Fonte: GZH
















