O policial militar que aparece em gravação dando dois tiros em um homem algemado com as mãos para trás disse à Polícia Civil à época que fez os disparos para se defender de um suposto ataque à faca. Antes da gravação começar a ser feita, o homem já havia sido alvejado por dois tiros disparados pelo PM. No mesmo dia do incidente, em 4 de março, o soldado Emerson Brião prestou depoimento a policiais civis. Gravado em vídeo, o relato durou dois minutos e 51 segundos. Brião não mencionou o fato de Geovane Matias Maciel, que tinha mandado de prisão preventiva contra si, ter sido imobilizado com algemas antes de receber dois de um total de quatro tiros.
O inquérito com a versão dos PMs sobre a morte de Maciel, ocorrida no município de Bom Jesus, em março, foi concluído em dois dias pela Polícia Civil como morte decorrente de oposição à intervenção policial. Em junho, quando autoridades receberam de forma anônima a gravação que mostra Maciel sendo baleado duas vezes quando já estava algemado, um novo inquérito foi aberto pela polícia por suspeita de homicídio doloso. Dois tiros já haviam sido dados, conforme apuração da polícia, antes de a gravação começar a ser feita. A pedido da polícia, o soldado Brião teve prisão preventiva decretada e foi detido na quinta-feira (10). A corregedoria da Brigada Militar também apura o caso. O Inquérito Policial Militar segue tramitando.
— Tentamos abordar, o motorista parou o carro. Quando o Giovane foi desembarcar, ele sacou uma faca e tentou avançar na guarnição, inclusive, me atingindo no colete com uma facada. Daí tive que efetuar quatro disparos para cessar a injusta agressão. De imediato, a gente tentou acionar o Samu, mas não pega sinal no local, a gente colocou ele na viatura e levou até o hospital — contou Brião aos policiais civis no dia da ocorrência, 4 de março.
Não houve questionamentos para detalhar a suposta reação e a necessidade de serem dados quatro tiros. Brião completou o relato falando da ficha policial de Maciel.
Neste primeiro inquérito, outros três policiais militares, que estavam de folga e foram chamados para atuar na captura de Maciel, também foram ouvidos, além do motorista de aplicativo que conduzia o homem que era considerado foragido. Todos fizeram relatos na mesma linha, confirmando que Maciel teria reagido contra os PMs e contando que ele teria dito que morreria ou mataria, mas que não ia se entregar para a polícia.
No mesmo dia da morte, além do soldado Brião, também foram ouvidos o sargento André Remonti e o motorista de aplicativo. Em uma gravação de quatro minutos e nove segundos, Remonti contou como foi a ocorrência:

— Eu pessoalmente vi quando ele sacou uma arma da cintura, eu gritei “arma” para orientar o colega, nesse momento ele conseguiu desferir um golpe de faca acertando o colete do colega, e o colega sacou da arma e conseguiu fazer alguns disparos para cessar a agressão.
A maior parte do relato de Remonti também foi sobre os antecedentes de Maciel, que tinha mandado de prisão contra si por suspeita de ter incendiado a casa da ex-companheira. Ele também teria ameaçado matá-la. A mulher já tinha medida protetiva. O motorista que transportava Maciel, aparentando nervosismo, contou em vídeo aos policiais:
— Caí na abordagem, parei. Ele (Maciel) reagiu, tentou agredir o brigadiano com uma faca.
Questionado se tinha visto onde Maciel trazia a faca, o motorista disse não saber. Uma policial questionou se o foragido havia feito algum comentário durante o trajeto.
— Eu vinha conversando com ele, perguntei por que não se entregava (o motorista conhecia Maciel e sabia que ele estava sendo procurado pela polícia). Ele disse que não se entregava, nem que tivesse que matar um ou morrer — relatou o motorista.
Dois dias depois, em 6 de março, outros dois PMs foram ouvidos pela Polícia Civil. Os depoimentos são semelhantes, com a mesma ordem de narrativa.
“Geovane, inicialmente, ergueu as mãos e saiu do veículo. No entanto, quando o Sd Brião se aproximou para realizar a revista pessoal, Geovane sacou repentinamente um objeto da cintura. Geovane desferiu um golpe com a faca, atingindo o abdômen do Sd Brião, que não se feriu devido ao uso do colete balístico. Para cessar a injusta agressão, o Sd Brião efetuou disparos de arma de fogo contra Geovane”, descreveu o soldado Jeremias Pezzi Paim, conforme o registro policial.

O outro PM, soldado Bruno Moojen Souza Ramos, disse, também conforme registro policial:
“O Sd Brião deu voz de abordagem, e Geovane, a princípio, colaborou, erguendo as mãos e saindo do carro. No entanto, quando o Sd Brião se aproximou para realizar a revista pessoal, Geovane, de forma inesperada e repentina, sacou um objeto da cintura. Geovane desferiu um golpe, atingindo o abdômen do Sd Brião, que não se feriu devido ao uso do colete balístico. Em resposta à agressão injusta, o Sd Brião efetuou disparos de arma de fogo contra Geovane”.
Ao final dos depoimentos, os dois policiais ressaltaram:
- “Que todos os procedimentos adotados pela guarnição foram pautados pela estrita legalidade e pela necessidade de repelir a injusta agressão praticada por Geovane Matias Maciel, visando proteger a integridade física do Sd Brião e da própria guarnição.”
- “Diante do exposto, reafirmo que todas as ações da guarnição foram estritamente legais e justificadas pela necessidade de repelir a agressão injusta de Geovane Matias Maciel, com o objetivo de proteger a integridade física do Sd Brião e de todos os membros da guarnição, incluindo a minha. Agimos em legítima defesa de terceiro e também em legítima defesa própria.”
O inquérito foi concluído no mesmo dia destes dois últimos depoimentos e remetido à Justiça. O novo inquérito, que tramita na Delegacia de Vacaria, segue em andamento.
Segundo a polícia, são esperados resultados de provas técnicas, como a perícia no vídeo em que Maciel aparece sendo baleado para verificar se não houve adulteração.
Na última terça-feira (15), a polícia recebeu o resultado do exame de balística. Foi confirmado que os três projéteis retirados do corpo (o quarto não foi encontrado) foram expelidos pela mesma arma: a que estava em uso pelo soldado Brião.
O que havia contra Geovane Matias Maciel, segundo a Polícia Civil:
- Mandado de Prisão Preventiva por violência contra sua ex-companheira, sendo suspeito de incendiar a casa dela dois dias antes de ser morto. O fogo consumiu totalmente a moradia da mulher e a de um vizinho.
- Apontado como autor de furto de uma motocicleta e a uma propriedade rural na véspera de sua morte.
- Enquando era adolescente, foi investigado por atos infracionais, incluindo ameaças, furtos e roubos, sendo o mais grave o latrocínio de um morador do Governador, 2º Distrito de Bom Jesus
Contrapontos
O que dizem Mauricio Adami Custódio e Ivandro Bitencourt Feijó, advogados dos PMs André Remonti, Jeremias Paim e Bruno Moojem Ramos:
As versões prestadas na Delegacia de polícia não foram idênticas. O formato de depoimento nessa fase de inquérito, quando ele é prestado em tomadas de perguntas em papel, diferenciando-se de áudio e vídeo acaba por receber por parte do redator do depoimento muitas frases análogas, facilitando o processo de tomada de depoimento.
Substancialmente os depoimentos reproduzem uma pessoa violenta, armada e com histórico de crimes que chocaram Bom Jesus. Isso é fato.
Qualquer pessoa que preste depoimento perante um Delegado de Polícia permanece em uma sala, separado dos demais depoentes. Não há condições nem muito menos possibilidade de acerto de versões. Os depoimentos são sintéticos de um fato complexo e que despendeu dias anteriores de intenso trabalho de captura. Na versão da delegacia, resumem-se os pontos necessários.
Portanto, ninguém pediu nem foi combinada versão alguma.
Sobre o uso das algemas, o vídeo é uma prova dentre as diversas que foram produzidas na investigação. Importante observarmos que os quatro policiais ocupam posições diferentes em ângulos diferentes.
Bruno Moojen, estava de costas para o fato. Orientando a sinalização do trânsito, alheio a qualquer circunstância naquele momento. Não tinha condições de evitar nem sequer saber o conteúdo da decisão de tiro do colega Brião.
Jeremias não finalizou a algemação, colhido de surpresa não conseguindo finalizar no momento, tanto que ele retira rapidamente suas mãos pelo movimento do corpo, não tendo a compreensão nem condição de responder pela ação naquele momento do seu colega.
André, se encontrava mais afastado, com a atenção voltada para o interior do carro concomitante encoberta à visibilidade do momento da ação dos disparos.
O vídeo não mostra todo o desdobrar nem o anterior fato, por isso que existem circunstâncias que são complexas e não se provam apenas com um recorte.
O que diz Fábio Silveira, advogado do PM Emerson Brião:
No momento, não vamos nos manifestar.
Fonte: GZH