Por: Isaac do Carmo Cardozo – Colunista
Nos calores de janeiro de 2024, organizamos uma pequena expedição ao local onde teria funcionado o antigo Saladeiro Alto Uruguai, em São Borja. A expedição foi comandada pelos Templários Clemar Dias, com a participação do professor Alvino Felício e de Fred Janot.
Partimos cedo, com o objetivo de localizar as ruínas desse importante patrimônio histórico. Meses antes, eu já havia estado ali, mas não consegui encontrar vestígios do saladeiro, devido à densa vegetação que cobre a área.
Nessa segunda incursão, porém, o professor Alvino conseguiu o apoio de um morador local, que nos indicou o ponto exato onde ainda restam ruínas. O local fica a cerca de 32 km de São Borja, na localidade de São Mateus, hoje parte de uma propriedade rural às margens do rio Uruguai, utilizada para agricultura.
Com a ajuda do guia, finalmente encontramos as ruínas, bastante encobertas pelo mato. As antigas edificações estão quase completamente destruídas, restando apenas alguns vestígios: uma torre ou celeiro de tijolos, grandes tanques — possivelmente usados para armazenar sal — e o trecho de uma tubulação, que provavelmente servia para conduzir o sangue dos animais até o rio.
As árvores tomaram conta do lugar: raízes entrelaçam-se pelas paredes, sustentando montes de terra acumulados, provavelmente trazidos pelas enchentes do rio.
Mais tarde, com a ajuda do meu amigo Clóvis Benevenuti — verdadeiro “Wikipédia” de São Borja — consegui reunir mais informações. Clóvis me forneceu uma cópia de um artigo publicado por Timóteo Ávila no jornal Tribuna da Fronteira, no qual se relata que o Saladeiro Alto Uruguai iniciou suas atividades em 1911 e as encerrou por volta de 1946.
Um dos fundadores foi João Francisco Pereira Souza, mais conhecido como a Hiena do Cati, tendo como principais acionistas Marcellino Allende (um capitalista uruguaio) e Jones Furmanns, que era inglês. Fernando O’Donnel, em seu livro O Combate do Capão do Mandiju, registra que o 7º Corpo Provisório da Brigada Militar, após atuar nos combates de 1923, aquartelava-se no saladeiro quando não estava em marcha.
Era comum o abate de grande quantidade de animais por dia. Os trabalhadores do local eram conhecidos por ofícios bem específicos: laçadores, carneadores, charqueiros, sebeiros, graxeiros e trapicheiros. Um detalhe curioso, também citado por Ávila, é que os órgãos reprodutores dos touros eram selecionados para serem enviados à nobreza britânica para confecção de pinglins; os mais longos eram aproveitados pelos policiais britânicos como instrumentos para punir criminosos.
A matéria-prima — o gado — era aproveitada com a produção de charque, extrato de carnes e carnes conservadas. As instalações ficavam a cerca de 1 km do rio. As mercadorias, depois de processadas, eram levadas por um troll até o embarcadouro, onde eram carregadas em chatas e vapores da época. A área total da charqueada era de 19 quadras de sesmaria, em torno de 2.850 hectares, e o capital registrado à época alcançava a impressionante soma de 2 bilhões e 500 milhões de réis. Se convertidos ao valor de compra atual, esses números equivaleriam hoje a algo entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões de reais, dependendo do critério usado. Era um dos principais comércios de São Borja naquela época.
Um episódio lendário envolvendo o local é o afundamento do vapor Rio Branco, carregado de sal, nas proximidades do embarcadouro. Segundo moradores, quando o rio está muito baixo ainda é possível ver os restos do navio. Essa história do vapor afundado sempre despertou a curiosidade de historiadores e pesquisadores.
Eu, pessoalmente, já estive no local pelo menos três vezes, mas nunca tive a sorte — ou a felicidade — de vislumbrar os restos do Rio Branco, que seguem alimentando a imaginação do povo são-borjense.
Isaac Carmo Cardozo é 1°Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito pela Unilassale/Canoas, Especialista em Gestão Pública pela UFSM/Santa Maria e Mestre em Políticas Públicas pela Unipampa/São Borja. Escreveu o livro: Monitoramento de Políticas Públicas de Segurança – O Programa de Resistência às drogas e a violência (Proerd) no Município de São Borja. Tradicionalista, é Coordenador da Invernada Especial do Centro Nativista Boitatá. Historiador e pesquisador e apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul.